Numa semana em que o 25 de Abril costuma tomar conta da atualidade por cá, a morte do Papa Francisco veio 'envolver-se' na luta pela Liberdade e criar algumas dúvidas - e críticas - em relação às medidas do Governo.
Na quarta-feira, o Executivo decretou três dias de luto nacional pelo Papa, apontando que a situação exigia "reserva às celebrações" -, e a oposição não demorou a apelar que o Executivo "visse a luz" ou, por outro lado, também a criticar a situação, considerando-a um "erro grosseiro" e "desvalorização."
Mas, 24 horas depois, o Executivo veio esclarecer o que foi proposto, garantindo que "não recomendou o cancelamento de quaisquer sessões evocativas do 25 de Abril, nas quais sempre disse que irá participar" e que adiou sim para "o dia 1.º de Maio o evento festivo na Residência Oficial do Primeiro-Ministro".
Ao Notícias ao Minuto, o politólogo António Costa Pinto considerou que a atuação é "excessiva para um partido de Centro-Direita".
"É natural que seja decretado luto nacional pelo Papa Francisco. No entanto, esta dimensão institucional é claramente excessiva no quadro de um regime democrático com instituições laicas e com uma separação grande do Estado de Direito", apontou o também historiador, relembrando ainda a declaração do chefe de Estado, Marcelo Rebelo de Sousa ao país, após a notícia da morte de Francisco.
"Embora o Presidente seja católico, se a comunicação oficial da Presidência da República já pareça excessiva, a declaração de luto nacional do Governo ainda parece mais excessiva nos três dias", vincou.
E o povo?
Sublinhando que o Estado português é laico, o investigador apontou que "a maior parte dos portugueses se confessam da religião católica, mas por tradição."
"Portugal tem uma das taxas maiores de não participação em atos religiosos da Igreja Católica. E a sociedade portuguesa, na maio parte dos casos, expressa valores secularizantes. Em todos os inquéritos de opinião - quer seja sobre o divórcio, casamento gay ou aborto. Portanto, não faz grande sentido este excesso", disse.
"Ele só tem sentido no âmbito de uma clivagem à Direita, justamente de tentativa de recuperação de valores conservadores, que foi "sem sombra de dúvida" o que aconteceu neste âmbito. "É um Governo de coligação, apesar de tudo", lembrou.
"Estamos em presença de uma contaminação eleitoral"
António Costa Pinto lembrou também, ao Notícias ao Minuto, que existe uma coincidência sobre o dia 25, que 'une' Portugal e Itália, dado se este ano ano se celebram 51 anos do golpe militar que deu ao país liberdade, em Itália assinalam-se 80 anos da ditadura fascista após a II Guerra Mundial. Por cá, o Dia da Liberdade, por lá, Dia da Libertação.
Em Itália, as celebrações e manifestações no âmbito deste dia vão acontecer, incluindo em Roma, e António Costa Pinto frisou que a situação é bem distinta entre países. "Há uma primeira-ministra [Giorgia Meloni] de Direita Radical, que provém de um partido neofascista - portanto, uma situação bem diferente daquela que se passa em Portugal -, creio que, obviamente, estamos em presença de uma contaminação eleitoral", explicou.
"O problema do 25 de Abril é mais grave. Porque muito embora a Assembleia da República, que é um órgão de soberania autónomo, tenha mantido as celebrações do 25 de Abril, também houve hesitações sobre isso", recordou.
Da hesitação à clivagem
Para além das declarações que passaram e das hesitações do presente, o investigador abordou ainda o que poderá ser o futuro, dada a presença crescente de outros espetros políticos.
"Com o aparecimento da Direita Radical - com peso relativamente significativo - criou-se pela primeira vez uma clivagem em torno do 25 de Abril. Portanto, isso exige de todos os partidos democráticos, obviamente, uma celebração e uma recuperação simbólica do 25 de Abril", alertou.
Questionado sobre se esta situação poderia vir a prejudicar as eleições, António Costa Pinto considerou que o impacto não seria grande, e reforçou: "Este tipo de hesitações do Governo perante a opinião pública remetem para a assunção de valores mais conservadores."
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