"Fazia-te assim”, “és como isto”, “se fosses aquilo”. Era assim que começavam muitos piropos. Utilizamos, intencionalmente, o passado na conjugação verbal porque o piropo, na atualidade, é considerado crime, não devendo ser proferido.
De facto, a lei que criminaliza o piropo de teor sexual entrou em vigor no ordenamento jurídico em agosto de 2015, apesar das vozes dissonantes. Se por um lado há quem defenda que o diploma tem um efeito dissuasor, há também quem ridicularize a medida e considere que se trata de um atentado à liberdade de expressão.
Controvérsias à parte, e numa altura em que o tema do assédio sexual mobiliza mais do que nunca a opinião pública, o Notícias ao Minuto foi perceber como tem evoluído o índice de denúncias relativas a este crime e se essas, efetivamente, se traduzem em condenações.
O que diz a lei sobre a matéria?
Em 2015, o Código Penal português foi alterado em virtude da publicação da lei n.º 83/2015. Ora, este diploma consagra as alterações que decorreram da discussão de algumas iniciativas legislativas, designadamente da criminalização da mutilação genital feminina, do casamento forçado, da perseguição, da violação, da coação sexual e da importunação sexual (onde se inclui o vulgo piropo).
Por isso, a nova redação do artigo 170º do Código Penal prevê que “quem importunar outra pessoa, praticando perante ela atos de carácter exibicionista, formulando propostas de teor sexual ou constrangendo-a a contacto de natureza sexual, é punido com pena de prisão até 1 ano ou com pena de multa até 120 dias, se pena mais grave lhe não couber por força de outra disposição legal”.
Piropo ilegal chega a tribunal?
Contactada pelo Notícias ao Minuto, fonte da Direção Nacional da PSP começa por esclarecer que o número de queixas registadas devido ao piropo é de difícil análise, já que no artigo 170.º do Código Penal, na redação do crime de importunação sexual, o legislador tipificou três tipos de crime, nomeadamente “atos de caráter exibicionista, propostas de teor sexual e contacto de natureza sexual”.
Por sua vez, a Procuradoria-Geral da República reitera a informação da PSP, esclarecendo que “só é possível fornecer dados gerais relativamente ao crime de importunação sexual”.
Assim, de acordo com a mesma fonte oficial, em 2015 – ano em que foi publicado o diploma legal -, foram instaurados 659 inquéritos. Refira-se, no entanto, que nestes números não estão incluídos os dados do Departamento de Investigação e Ação Penal de Lisboa porque, “nesse período, o sistema informático utilizado por aquele departamento não permitia discriminar o crime de importunação sexual”.
Já em 2016, foram instaurados 733 inquéritos e, em 2017 ,o número teve um acréscimo acentuado, já que as autoridades abriram 865 inquéritos.
O Notícias ao Minuto foi mais longe e tentou perceber, destes casos, quantos é que conduziram, de facto, a uma condenação em processos crime na fase de julgamento findos. E, os dados fornecidos pelo Ministério da Justiça são categóricos: “Nos anos de 2015 e 2016 não se registaram ocorrências relativas a processos findos e a condenados pelo crime de importunação sexual previsto e punido no artigo 170.º do Código Penal”.
O Ministério realça que na interpretação destes dados deverá ter sido em conta o facto de esta lei apenas ter entrado em vigor em agosto de 2015. Até ao momento, ainda não são conhecidos os dados relativos a 2017.
Saliente-se que vários têm sido os penalistas que alertam para a dificuldade em fazer prova em sede de julgamento deste tipo de crime, o que poderá, no fundo, explicar a ausência de condenações nesta matéria, apesar do aumento do número de processos instaurados.