Para surpresa (ou não) de tudo e todos, o Parlamento aprovou esta quinta-feira - com os votos contra do PS - uma alteração ao decreto '2-9-18' do Governo estipulando que o tempo de serviço a recuperar aos professores serão nove anos, quatro meses e dois dias, tal como há anos reclamam os professores.
Conhecida a decisão do Parlamento, que deixou o PS isolado, o primeiro-ministro António Costa convocou uma reunião com carácter de urgência, e que terá lugar esta manhã em São Bento, onde estará presente o ministro da Educação, Tiago Brandão Rodrigues.
"Tendo em conta o resultado da comissão parlamentar de Educação e do acordo entre Bloco, PCP, PSD e CDS, o primeiro-ministro convocou de urgência, para sexta-feira de manhã, uma reunião extraordinária de coordenação política", disse à agência Lusa fonte oficial do executivo.
Um "dia importante" para os professores
A greve às aulas durante o 3.º período ou às avaliações eram duas das formas de luta que os docentes tinham na 'manga' caso não vissem reconhecidos os nove anos, quatro meses e dois dias de serviço congelado. Com a aprovação na Assembleia da República, houve um volte-face. É preciso analisar "com mais cuidado" o que foi aprovado e "conversar com as restantes nove organizações", mas há desde já "ganhos"
"É um dia importante", salientou Mário Nogueira, secretário-geral da Fenprof, mantendo sempre a ressalva de que é preciso "aguardar pelo texto" final que sairá da comissão de Educação e Ciência para depois poder "decidir em conformidade".
PS sozinho e em 'choque' ameaça recorrer ao Tribunal Constitucional
Pela voz do PS, o líder parlamentar Carlos César acusou, em declarações ao semanário Expresso, os partidos que compõem a geringonça de se terem associado "a uma vitória da irresponsabilidade", mas, em jeito de resposta, deixou desde já o aviso: "Espero que a mesma norma seja travada, desde o Presidente da República à própria fiscalização da constitucionalidade".
Trata-se, concluiu o socialista, de "uma ingerência da Assembleia numa área de competência do Governo, que é a quem compete a negociação colectiva" com os professores.
Enquanto isso, no Parlamento, PCP e Bloco de Esquerda acusavam o PSD de impedir o Parlamento de ir mais longe no tempo de serviço dos professores, enquanto o PS lançava críticas à Esquerda e à Direita por "irresponsabilidade" e por porem "em causa a legislatura".
Foi já em declarações nos corredores da Assembleia da República que o socialista Porfírio Silva foi particularmente incisivo nas críticas aos restantes partidos, que deixaram os socialistas completamente isolados nas votações contra as principais medidas aprovadas e que aprovaram aquilo que o PS tentou evitar a todo o custo, desde logo levando o ministro das Finanças, Mário Centeno, à comissão de Educação para falar aos deputados sobre o que o Governo defende ser a insustentabilidade financeira da contagem integral do tempo de serviço congelado aos professores.
"Isto é a absoluta irresponsabilidade (...). Isto é pôr em causa toda uma legislatura de recuperação de rendimentos. (...) Temos sabido manter o rumo certo, as contas no seu sítio e avançar passo a passo de forma segura. Isto é querer destruir todo o trabalho de construção de uma legislatura. (...) A História julgará quem assim procede", disse o deputado socialista.
Questionado sobre as questões de constitucionalidade que suscitou no decurso dos trabalhos, Porfírio Silva defendeu primeiro que "nenhuma resposta foi dada" sobre a questão que levantou relativa à norma-travão, que impede o aumento de despesa acima do orçamentado, para depois afirmar que a proposta do PSD, aprovada pela comissão parlamentar de Educação terá de ser analisada com mais rigor.
"Vou olhar com atenção para a norma que foi apresentada na própria reunião. O próprio partido proponente parece não estar muito certo, porque apresentou várias versões", afirmou o socialista, que perante a insistência dos jornalistas decidiu terminar as declarações dizendo: "Não vou ficar aqui a discutir questões de inconstitucionalidade".
Ainda na sala da comissão, nas declarações de voto que se seguiram ao final das votações na especialidade às propostas de alteração dos partidos ao decreto do Governo para a contagem do tempo de serviço dos professores, e que encerraram os trabalhos, o PS, também pela voz de Porfírio Silva, tinha sido crítico das decisões ali tomadas.
Mas o primeiro a falar foi o Bloco de Esquerda, que foi igualmente o primeiro a apontar o dedo ao PSD. "A proposta do Bloco era uma garantia para os professores que efetivava um direito. Lamentamos que não se tenha ido mais longe e que o PSD tenha travado essa possibilidade", declarou Joana Mortágua, sobre a falta de um calendário para a devolução do tempo de serviço.
Pelo lado do PCP, Ana Mesquita fez acusações no mesmo sentido: "A responsabilidade é do PSD e do CDS que se juntaram ao PS por não ter ficado um calendário concreto para a recuperação do tempo de serviço. Bem nos esforçámos para que, pelo menos, houvesse uma janela temporal. Ficamos outra vez dependentes de negociações quando sabemos como estas correram até agora".
Porfírio Silva, que optou por não fazer uma declaração de voto mas que fez, ainda assim, um comentário final, insistiu na ideia de que a proposta do PSD que foi aprovada e que procurava evitar eventuais problemas constitucionais na devolução de dois anos, nove meses e 18 dias, pode não resolver por completo a questão da constitucionalidade. O deputado defendeu ainda uma análise com mais rigor, realçando também que há questões de equidade entre trabalhadores que não estão verificadas no texto aprovado.
Antes, Joana Mortágua já tinha defendido que a proposta do Bloco, à semelhança de outras, que previa a devolução de dois anos, nove meses e 18 dias já em 2019 não era inconstitucional, mas perante as ameaças socialistas de levar o diploma ao Tribunal Constitucional, o BE optou por evitar "tornar mais longo um processo que já foi muito mais longo do que aquilo que é devido".
Margarida Mano, do PSD, defendeu a convicção na constitucionalidade da proposta aprovada, que atira o peso orçamental para 2020, enumerando algumas vitórias conquistadas para os professores na quinta-feira à noite na comissão, como o reconhecimento de que o tempo congelado a contar deve ser os mais de nove anos reivindicados pelos docentes e a garantia de que os dois anos, nove meses e 18 dias terão efeitos a janeiro de 2019.
"A nossa votação permitirá que o Governo vá para a negociação com todos os graus de liberdade para decidir. Isto para nós também é fundamental, porque garante que a Assembleia da República não invade as competências do Governo", acrescentou a deputada social-democrata.
Governo, PS (e Aliança) alertam para impacto "pesado" apenas a "pensar em votos"
O Governo e o PS têm avisado que a solução agora aprovada pelo Parlamento terá "pesado" impacto financeiro nas contas públicas, entre 600 e 800 milhões ao ano, apresentando também problemas de constitucionalidade.
Depois de mais de um ano de negociações entre sindicatos e Governo, o Executivo aprovou um diploma que previa a recuperação de menos de três anos de serviço mas que foi esta quinta-feira alvo de alterações.
Na reunião de quinta-feira ficou estabelecido que os cerca de dois anos e nove meses serão recuperados em 2020, com efeitos retroativos a janeiro deste ano. Já a forma de recuperação dos restantes seis anos e meio ainda será alvo de negociação entre o Governo e os sindicatos de professores.
Entretanto, o Aliança colocou-se ao lado do Governo, considerando que ontem ficou "demonstrado" que em tempo de eleições "vale tudo". "Os partidos esquecem a responsabilidade e, em desespero, pensam apenas em votos", critica o partido de Santana Lopes, sublinhando que "a Direita casou com a extrema-esquerda".
O Aliança deixa, por isso, a questão: A quem caberá "a responsabilidade subjacente a um acréscimo de 800 milhões de euros à despesa do Estado e à inexistência de qualquer plano de pagamento deste montante?". E, desde modo avisa que "em política não vale tudo".