O anúncio foi feito por António Costa a partir do Palácio de São Bento, depois de comunicado ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, e de uma reunião de urgência também na residência oficial do primeiro-ministro, onde esteve presente o ministro da Educação.
Uma ameaça de Costa que marca o culminar de uma tensão crescente, depois de na noite de quinta-feira a comissão parlamentar ter aprovado a contagem integral dos nove anos, quatro meses e dois dias de tempo de serviço congelados, e de já esta sexta-feira o Governo ter sido acusado de "vitimização", de estar a criar uma crise artificial, de "golpe de teatro" e de "calculismo eleitoral".
A votação final em plenário no Parlamento deve acontecer até 15 de maio, quando a Assembleia da República interromper os trabalhos devido ao arranque da campanha para as eleições europeias. Quanto a uma possível demissão do chefe do Governo, esta teria de ser aceite pelo Presidente Marcelo que podia (ou não) decidir convocar eleições.
Mas há questões e dúvidas relativamente a esta luta dos professores que merecem, hoje mais do que nunca, ser lembradas e explicadas.
Por que se abriram negociações específicas entre professores e Governo?
Com o Orçamento do Estado para 2018, a maioria dos trabalhadores da Função Pública viu contabilizado o tempo de serviço congelado desde 2011 com base na atribuição de um ponto por cada ano congelado.
Um modelo simplificado que, porém, não se pode aplicar aos professores, porque progridem na carreira com base em três aspetos cumulativos: o tempo de serviço, a avaliação qualitativa e o cumprimento legal da formação contínua exigida na carreira.
Além disso, os professores têm também, à semelhança de outras carreiras na Função Pública, um estatuto especial, sendo regulados por um diploma legal próprio.
A que entendimento chegaram em novembro de 2017?
Depois de uma maratona negocial com o Governo, cuja última reunião durou mais de dez horas, os sindicatos saíram do encontro assumindo que não tinham conseguido chegar a acordo, mas tinham assinado uma "declaração de compromisso" para a recuperação do tempo de serviço.
Para os professores não havia dúvidas de que seriam recuperados nove anos, quatro meses e dois dias, ficando para 2018 as negociações para definir de que forma seria feita a recuperação.
Então porque terminaram sem acordo as negociações?
Depois de um arranque em dezembro de 2017 na expectativa de ter apenas que negociar "o prazo e o modo" no que diz respeito à recuperação do tempo de serviço congelado, os sindicatos chegaram a junho de 2018 com o ministro da Educação a pôr fim às negociações, retirando, inclusivamente, de cima da mesa a proposta do Governo para contar dois anos, nove meses e 18 dias, que os sindicatos sempre se recusaram aceitar.
Entenderam, à data, os professores que a contagem do tempo de serviço integral ficou estabelecida na própria declaração de compromisso de novembro, na lei do Orçamento do Estado para 2018 e numa resolução da Assembleia da República de janeiro de 2018, que mereceu a aprovação de todos os grupos parlamentares.
O ministro afirmou que sem acordo "ficava tudo na mesma", mas um dia depois, no debate quinzenal no Parlamento, o primeiro-ministro desdisse o seu ministro e voltou a abrir a porta às negociações, referindo que, se os sindicatos estivessem disponíveis para voltar à mesa negocial, a proposta do Executivo continuava em cima da mesa.
As negociações foram retomadas em setembro, mas voltariam a terminar sem acordo, já que nenhuma das partes cedeu e o Governo insistiu, na sua proposta de Orçamento do Estado para 2019, em manter o tempo de recuperação de serviço em dois anos, nove meses e 18 dias.
Com o PS isolado, o Parlamento decidiu contrariar o Governo e inscreveu novamente no Orçamento do Estado uma norma semelhante à que constava no exercício anterior, determinando a negociação do prazo e do modo para a recuperação do tempo de serviço, tendo em conta a sustentabilidade dos recursos do Estado.
Governo e docentes voltaram a sentar-se à mesa para novas negociações, mas o Executivo mais uma vez não cedeu e o Conselho de Ministros aprovou o diploma com a recuperação parcial do tempo de serviço, enviando-o de seguida para promulgação.
E o que fez o Presidente da República?
Começou por vetar o primeiro diploma e devolveu-o ao Executivo por entender que era preciso cumprir o Orçamento do Estado para 2019 que obrigava a que o diploma fosse "objeto de processo negocial".
Já este ano, o Governo agendou novas negociações com as estruturas sindicais dos professores que terminaram em março, novamente, sem acordo. O diploma de recuperação de dois anos, nove meses e 18 dias do tempo congelado entre 2011 e 2017 foi aprovado em Conselho de Ministros a 7 de março e promulgado pelo Presidente a 11 de março. Marcelo Rebelo de Sousa justificou a decisão dizendo que assim garantia que os professores recuperavam pelo menos uma parte do tempo de serviço congelado em 2019.
Depois, o que fez a Assembleia da República?
Depois de promulgado pelo Presidente da República, PSD, Bloco de Esquerda e PCP, CDS-PP e Verdes anunciaram a apreciação parlamentar do diploma para introduzir alterações que garantissem as reivindicações dos professores.
Em sede de especialidade, PCP e BE à Esquerda e PSD e CDS-PP à Direita deixaram o PS isolado e aprovaram juntos alterações que consagram que o tempo a ser contado são nove anos, quatro meses e dois dias, e não apenas os dois anos, nove meses e 18 dias que o Governo pretendia devolver.
Aprovaram ainda que essa parcela de tempo - os cerca de três anos - serão devolvidos até 2020, mas com efeitos a janeiro de 2019, e que o tempo congelado não poderá ser contado para efeitos de aposentação, negando aos sindicatos uma das suas exigências.
O tempo remanescente aos cerca de três anos, ou seja, cerca de 6,5 anos de tempo de serviço serão devolvidos de acordo com o que for acordado entre sindicatos e Governo, em novas negociações a retomar em 2020, das quais deve sair um calendário para a recuperação total do tempo de serviço.
Perante este cenário, o que fez o Governo?
Numa declaração ao país, a partir do Palácio de São Bento, o primeiro-ministro ameaçou apresentar a demissão do Governo se as propostas de alteração ao decreto do Governo forem aprovadas, em sede de especialidade, em votação final no plenário da Assembleia da República, colocando a pressão do lado dos partidos sobre o desencadear de uma eventual crise política.
Antes, e assim que foram conhecidas as implicações das alterações aprovadas no Parlamento, António Costa convocou o Governo para uma reunião de urgência e duas horas antes da declaração ao país reuniu-se com o Presidente da República, a quem deu conhecimento da sua intenção.
Vários ministros fizeram declarações no sentido de dramatizar os impactos da decisão, dizendo que estava em causa a governabilidade.
O que fizeram os partidos que aprovaram a contagem integral?
PSD, PCP, CDS-PP e BE fizeram declarações no mesmo sentido, acusando o Governo de promover uma crise artificial, de montar uma farsa ou um "golpe de teatro" e de agir em nome de "calculismo eleitoral". O CDS desafiou o Governo a apresentar uma "moção de confiança".
Do lado do PS, que apoia o Governo, Carlos César, líder parlamentar dos socialistas, considerou difícil repetir o modelo da 'geringonça' se PCP e BE não retomarem "o sentido de responsabilidade".
Que impacto teve esta aprovação nas outras carreiras da Função Pública?
As centrais sindicais CGTP e UGT vieram, prontamente, pedir tratamento igual para as outras carreiras da Função Pública que também estiveram congeladas, e a FESAP avisou que são várias.
Quanto custa, afinal, a contagem do tempo de serviço dos professores?
O custo é um dos maiores pontos de discórdia entre Governo e sindicatos. Segundo o Governo, a recuperação de menos de três anos de tempo congelado tem um custo anual aproximado de 200 milhões. A contagem dos nove anos, quatro meses e dois dias tem um custo estimado pelas Finanças de 635 milhões de euros e, segundo o ministro das Finanças, abrirá uma "caixa de pandora".
O que acontece à luta dos professores?
Os professores tinham previsto avançar com greves às aulas durante o 3.º período, assim como às avaliações e com uma manifestação nacional a 5 de outubro, véspera das eleições legislativas, que coincide com o Dia Mundial do Professor, caso até lá não fossem acolhidas as suas reivindicações.
Com a decisão do Parlamento, os sindicatos disseram que vão avaliar "com mais cuidado" o que foi decidido, remetendo para a próxima semana uma decisão sobre as ações de luta que estavam em cima da mesa. Quanto ao anúncio de António Costa, a Fenprof fala em "ato de chantagem".