A Direção Geral da Política de Justiça (DGPJ) publicou, esta segunda-feira - já depois de o seu diretor-geral, Miguel Romão, se ter demitido - um comunicado onde assegura que a ministra da Justiça tinha conhecimento da informação sobre o procurador José Guerra enviada para a Representação Permanente de Portugal na União Europeia. O comunicado foi, entretanto, retirado do site.
De acordo com a versão da DGPJ, a que a TVI teve acesso, a informação relativa a José Guerra "foi preparada na sequência de instruções recebidas e o seu conteúdo integral era do conhecimento do Gabinete da senhora Ministra da Justiça desde aquela data[29 de novembro de 2019]".
O comunicado adianta ainda que a informação sobre o currículo de José Guerra, do conhecimento do gabinete da ministra, foi remetida à Representação Permanente de Portugal junto da União Europeia (REPER), "mediante indicação direta desta Representação de muita urgência no seu envio, e, simultaneamente, à Direção-Geral dos Assuntos Europeus (Ministério dos Negócios Estrangeiros)".
"Dizia respeito à fundamentação da opção por um determinado senhor magistrado do Ministério Público para o cargo de Procurador Europeu por parte de Portugal", lê-se no comunicado, que, entretanto, desapareceu da página da DGPJ.
No comunicado, a DGPJ reitera que, "nos termos legais aplicáveis ao caso", cabia apenas ao Governo português a proposta de designação do magistrado em causa, e atuando a DGPJ no cumprimento de instruções, deve "reconhecer-se que houve duas informações erradas prestadas pela DGPJ por lapso de análise (a indicação da categoria profissional como sendo de Procurador-Geral Adjunto, em vez de Procurador da República, e a indicação da acusação, e não do julgamento, no processo "UGT"), apesar de facilmente verificáveis como lapsos materiais, desde logo perante o currículo igualmente na posse dos serviços do Conselho da União Europeia.
"Nestes termos, atendendo à dimensão assumida por estes lapsos factuais, e não obstante ter sido, em termos objetivos, o procurador José Guerra o candidato indicado pelo Conselho Superior do Ministério Público como o mais graduado quantitativamente para o exercício deste cargo, indicação que o Ministério da Justiça entendeu seguir, em 28 de fevereiro de 2019, bem como tendo sido destacado como candidato preferencial, ex aequo, na avaliação curricular e entrevistas que a Assembleia da República teve oportunidade de fazer a todos os candidatos (...) entendeu o Diretor-Geral da Política de Justiça, Miguel Romão, colocar o seu cargo à disposição", indica o comunicado.
Miguel Romão justifica que colocou o seu lugar à disposição da ministra da Justiça, Francisca Van Dunem, "no cumprimento da lógica republicana de que erros administrativos que afetem a reputação e dignidade do serviço público devem ser assumidos pelo dirigente dos serviços, independentemente da sua prática direta ou de responsabilidade do próprio, o que naturalmente não ocorreu neste caso concreto".
"Reforça-se ainda que nada, nem nas instruções da senhora Ministra da Justiça, nem no desempenho dos profissionais da DGPJ, foi feito no sentido de deturpar intencionalmente a verdade ou as qualificações de qualquer candidato, e o brio e capacidades dos profissionais da DGPJ não devem ser postos em causa ao serviço da simples exploração de um erro", conclui o comunicado da Direção-Geral da Política de Justiça, com a data de hoje.
Comunicado retirado do site
Este comunicado da DGPJ foi entretanto retirado da plataforma da Direção Geral da Política de Justiça por ordem do Ministério da Justiça, apurou o Expresso. O gabinete de Francisca Van Dunem considerou que a informação divulgada infringia "regras elementares".
Entretanto, ao Observador, o Ministério da Justiça confirmou a decisão de apagar o comunicado do site da DGPJ, justificando que "o comunicado em causa é da autoria de um dirigente do Ministério da Justiça (DGPJ), cuja demissão, nesse momento, já fora aceite pela Ministra da Justiça, pelo que foi inserido no Portal da Justiça à margem das regras (elementares) definidas para o efeito".
Escreve ainda o Observador que, na prática, o Ministério tutelado por Francisca Van Dunem defende que Miguel Romão apenas terá pedido que o comunicado fosse publicado no site da DGPJ numa altura em que a sua demissão já havia sido aceite, e que, por isso, já não teria qualquer legitimidade para o fazer.
Recorde-se que a ministra da Justiça aceitou, esta segunda-feira, o pedido de demissão de Miguel Romão, "tendo em conta os últimos acontecimentos".
Em nota enviada às redações nesta manhã, é referido que Francisca Van Dunem já comunicou formalmente "a sua inteira disposição para se deslocar ao Parlamento no sentido de prestar esclarecimentos sobre este assunto, o mais rápido possível".
De salientar também que, em entrevista à RTP, questionada sobre as críticas e dúvidas levantadas pelos partidos políticos, Francisca Van Dunem declarou-se "ansiosa" por prestar esclarecimentos no Parlamento e, apesar de frisar que o seu lugar está sempre à disposição do primeiro-ministro, considerou ter condições para se manter no cargo.
O caso de José Guerra chegou a público depois de vários órgãos de comunicação terem noticiado que, numa carta enviada para a União Europeia (UE), o executivo português apresentou dados falsos sobre o magistrado preferido do Governo para procurador europeu, José Guerra - após indicação do Conselho Superior do Ministério Público -, depois de um comité de peritos ter considerado Ana Carla Almeida a melhor candidata para o cargo.
Na carta, José Guerra é identificado como sendo "procurador-geral-adjunto", categoria que não tem, sendo apenas Procurador da República e como tendo participado "na liderança investigatória e acusatória" no processo UGT, o que também não é verdade, porque foi o magistrado escolhido pelo MP para fazer o julgamento e não a acusação.
Perante o cenário, esta segunda-feira, a ministra da Justiça enviou ao representante português junto da União Europeia uma correção aos erros que constam do currículo do Procurador Europeu José Guerra.
Leia Também: Ministra da Justiça aceita demissão do diretor-geral da DGPJ