Há três ou quatro anos? "Quase que era um crime falar de liberalismo"
Nuno Simões de Melo, que encabeça a Lista B ao Conselho Nacional da Iniciativa Liberal, é o entrevistado desta quarta-feira do Vozes ao Minuto.
© Reprodução Facebook / Nuno Simões de Melo
Política IL
O próximo mês de dezembro será de enorme atividade política interna para a Iniciativa Liberal. O partido vai eleger os membros de três dos seus órgãos internos, todos eles sem quaisquer funções executivas. São eles o Conselho Nacional, o Conselho de Jurisdição e o Conselho de Fiscalização.
Cerca de três meses antes do escrutínio, surge a notícia de que há uma nova lista, intitulada ‘Liberalismo em Liberdade’ e que é encabeçada por Nuno Simões de Melo, que quer ter uma palavra a dizer no rumo estratégico do partido.
Em entrevista ao Notícias ao Minuto, o principal rosto desta Lista B explicou que a candidatura surge com o intuito de “melhorar o funcionamento do partido” – sendo a “separação de poderes” e a postura “centralista” seguida pelo partido dois dos principais alvos visados pelas propostas deste grupo de militantes.
Coronel na reserva, membro da Iniciativa Liberal desde o ano passado e deputado municipal em Mafra, Nuno Simões de Melo defendeu que o partido deve passar a apostar na apresentação de “propostas” destinadas, também, a “resolver os problemas das pessoas que estejam fora dos centros urbanos” – que, como elaborou, “são tão portugueses como alguém de Lisboa, do Porto ou do litoral”.
No Vozes ao Minuto desta quarta-feira, o entrevistado fez, no entanto, questão de elogiar o trabalho que tem sido levado a cabo, durante os últimos anos, pela atual liderança de João Cotrim de Figueiredo. Considerando que há três ou quatro anos “quase que era um crime falar de liberalismo” em Portugal, Simões de Melo elaborou que tais “termos foram postos no léxico português” devido ao trabalho levado a cabo pela Iniciativa Liberal.
O motivo desta candidatura prende-se, sobretudo, com a alteração de três pontos, sabendo nós que isso implicará uma revisão dos estatutos.
Apresenta-se como o principal rosto da, até agora, única lista de oposição a concorrer ao Conselho Nacional da Iniciativa Liberal. Qual o objetivo concreto desta candidatura? Considera que o partido necessita de um novo rumo?
Nós julgamos que existe um conjunto de fatores dentro da Iniciativa Liberal que levou a que nós, um conjunto de militantes, tentássemos fazer algo para melhorar o funcionamento do partido. Nós estamos a apresentar candidaturas aos três órgãos que vão a eleições em dezembro: o Conselho Nacional, o Conselho de Jurisdição e o Conselho de Fiscalização. Neste momento, é completamente prematuro estarmos a falar da Comissão Executiva, que é quem tem funções executivas.
O motivo desta candidatura prende-se, sobretudo, com a alteração de três pontos, sabendo nós que isso implicará uma revisão dos estatutos. Os mesmos têm que ver com a separação de poderes, com o centralismo no partido e com o centralismo também, de alguma forma, no país - ou, pelo menos, num eixo mais litoral.
Começando então pela questão da separação de poderes, o que é que a Lista B considera que é preciso mudar no partido?
O Conselho Nacional é um órgão de conselho, de âmbito nacional, e tem algumas atribuições, entre elas a de acompanhar a ação da Comissão Executiva no prosseguimento da sua moção estratégica e das ações do partido. Ou seja, tem também alguma função de escrutínio. Porém, o Conselho Nacional é composto por 50 membros eleitos e por mais 25 que são também, por inerência, a Comissão Executiva. Estamos a dizer que um terço dos membros do Conselho Nacional são a própria Comissão Executiva. Como tal, nós consideramos que podem, inclusivamente, ser juízes em causa própria. Levando isto ao extremo, como é normal que a Comissão Executiva apoie também uma qualquer lista ao Conselho Nacional, a essa lista bastará eleger 13 dos 50 que vão a votos para já terem maioria.
Obviamente que, nesta mudança, consideramos inclusivamente que deverá ser aumentada a quantidade de conselheiros nacionais eleitos, deixando de haver inerências. Não quer dizer que não tenham lugar no Conselho Nacional, como observadores ou até para responder às questões que os conselheiros coloquem, mas não enquanto membros de total e pleno direito do Conselho Nacional. Esta é uma das nossas principais medidas, que gostaríamos de ver implementadas no partido.
Passámos a ser o quarto partido com maior representação parlamentar na Assembleia da República, e é por isso que estas rotas liberais devem ter efeitos práticos.
Em entrevistas recentes, e tal como já falámos aqui brevemente, tem vindo também a acusar a atual liderança de adotar uma postura "centralista" e de responder apenas às preocupações da "elite urbana". O que considera ser necessário fazer para mudar isso mesmo?
Congratulo-me com as rotas liberais que o presidente do partido tem seguido e pelo que tem vindo a fazer pelo país, e digamos que esse é um primeiro passo. Mas não pode ser só para a fotografia e para mostrar que até sabe que Portugal existe para além dos grandes centros urbanos. É preciso que isto tenha reflexo nalguma coisa. E esse reflexo, no meu entender, passa por propostas destinadas a resolver os problemas das pessoas que estejam fora dos centros urbanos, através do nosso grupo parlamentar que, e muito bem, passou de um para oito deputados, devido ao excelente trabalho da Comissão Executiva.
Passámos a ser o quarto partido com maior representação parlamentar na Assembleia da República, e é por isso que estas rotas liberais devem ter efeitos práticos. Devem resultar em propostas para melhorar a vida destes portugueses, que são tão portugueses como alguém de Lisboa, do Porto ou do litoral. E certamente que o presidente do partido se está a aperceber disso, mas agora queremos ver resultados.
Na perspetiva da lista que lidera, aqui citada pelo jornal Nascer do Sol, a Iniciativa Liberal deve "combater a deriva do liberalismo para causas 'woke', identitárias ou segregacionistas, adeptas do cancelamento e até do marxismo cultural". Que medidas considera que devem ser tomadas nesse sentido?
Nós somos os maiores defensores dos direitos de todos, dos direitos humanos. A nossa tendência considera que a apropriação de determinadas causas, identitárias ou não, é uma transferência da obsoleta luta de classes do século XIX para os tempos de agora. Uma vez mais, criar a divisão para haver qualquer tipo de identificação com o que quer que seja, para criar divisões e para recriar a dinâmica da luta de classes. Essa não é a nossa posição. Todos têm os mesmos direitos, os direitos são direitos humanos. Daí existir a Declaração Universal dos Direitos Humanos. Não é local, regional ou ‘causa a causa’. Por vezes, nós sentimos que há uma tentativa de embarcar na espuma dos dias e avançar para um maior apoio a esse tipo de causas – o que, no nosso entendimento, está errado.
Acho que estamos muito bem sentados na Assembleia da República.
Entre as principais críticas que faz à atual direção, tem vindo a defender publicamente que a mesma está a transformar a Iniciativa Liberal num "partido de esquerda". O que o leva a defender tal posição?
Antes de mais nada, acho que estamos muito bem sentados na Assembleia da República. Como alguém dizia, eu gostava é que, à nossa direita, existisse um muro na Assembleia da República. Não é isso que acontece e, por isso, a nossa posição, no meu entendimento, está muito bem. E logo aqui se vê uma diferença. No início havia este ‘fait divers’ de ficarmos situados rigorosamente ao centro, entre o PS e o PSD. No meu entendimento, considero que muitas das causas que temos vindo a abraçar se inserem naquelas que abordámos na pergunta anterior e têm sido muito mais associadas à própria esquerda, na dicotomia tradicional entre esquerda e direita.
Nós não temos essa visão. Nós achamos que temos de nos centrar naquilo que é, de facto, a preocupação dos portugueses. E há muitas preocupações neste momento mas, uma vez mais, isso trata-se de ação política e a mesma pertence à Comissão Executiva. Eu não sou candidato a presidente da Comissão Executiva, sou apenas cabeça de lista para uma candidatura ao Conselho Nacional, que tem uma função de acompanhamento.
Como vê os mais recentes resultados eleitorais, legislativos e autárquicos, do partido? Considera-os satisfatórios?
Em relação às eleições legislativas, que já é fruto da atual Comissão Executiva, pois aconteceram depois da sua eleição, acho que tivemos um excelente resultado, em termos de mandatos. Passámos de um para oito, portanto isso é óbvio, o trabalho foi bem feito. Também é óbvio que os mesmos foram eleitos em quatro círculos eleitorais: Lisboa, Porto, Braga e Setúbal. Mas nós gostaríamos de ver a Iniciativa Liberal a estender-se para o interior, tal como conta já com algum peso regional nos Açores e na Madeira.
Em relação às autárquicas, e isso ainda é referente à Comissão Executiva anterior - embora as mudanças para a atual não sejam significativas, ao nível da linha política -, eu considero que ficaram um bocadinho aquém. Foi vendida como uma grande vitória da Iniciativa Liberal, mas, em primeiro lugar, as nossas candidaturas não abrangeram toda a matriz territorial nacional.
E depois, tirando os locais onde fomos em coligação, concretamente no Porto, em que temos vereadores e um presidente de Junta de Freguesia que foi eleito, somos só 90 autarcas, ou deputados municipais ou representantes de assembleias de freguesia. À exceção do que eu referi, não temos ninguém nos executivos camarários do país. Eu considero que ficou um pouco aquém. Andámos todos empenhados na nossa luta eleitoral, ficámos satisfeitos com os deputados municipais que elegemos e com os representantes de assembleias de freguesia, mas a esta distância parece-me um resultado não completamente vitorioso. Mas obviamente que sabemos que fomos capazes de passar de 0 para 90, não tínhamos antes qualquer representação. Mas defendemos agora esse tal caminho para o interior e no sentido de responder aos anseios das populações do país.
Acho fundamental dizer que, há três ou quatro anos, falar em liberalismo ou em liberal era quase um anátema que era lançado sobre quem o proferisse.
E de que modo perspetiva o futuro da Iniciativa Liberal, tendo em conta, nomeadamente, a expressiva subida nas anteriores eleições legislativas e o rumo estratégico que tem vindo a ser tomado pela atual liderança? Considera que é um partido que conseguirá manter essa rota de crescimento?
Anseio que assim seja. Acho fundamental dizer que, há três ou quatro anos, falar em liberalismo ou em liberal era quase um anátema que era lançado sobre quem o proferisse. Quase que era um crime falar-se de liberalismo e de liberal. Estes termos foram postos no léxico português e isso deve-se à Iniciativa Liberal. Por isso, o trabalho que foi feito foi um bom trabalho, pois começou a passar a mensagem liberal para Portugal. Essa parte está feita.
Agora, o crescimento dos partidos depende também de fatores exógenos, não só de fatores endógenos. E esses primeiros não podemos controlar, mas podemos controlar os segundos. Se nós nos focarmos naquilo que realmente interessa aos portugueses, sem nos perdermos em ‘fait divers’, esta rota de crescimento e, sobretudo, de consolidação, poderá acontecer. Se nos ficarmos pela espuma dos dias, tenho receio que seja um fenómeno passageiro, ainda que a mensagem já tenha ficado – e isso é de enaltecer.
Prevê que surjam, entretanto, outras listas que ofereçam oposição à liderança de João Cotrim de Figueiredo? O que nos pode dizer sobre o atual contexto interno do partido? Existem várias linhas de pensamento divergentes, nomeadamente quanto à estratégia a seguir?
Não existirão linhas de pensamento divergentes, e é isso que nós queremos na Iniciativa Liberal. A nossa tendência é que o partido seja a casa dos liberais portugueses. Mas é provável que tal exista ao nível de pensamento estratégico, e é isso que eu espero de um partido liberal. Nós não esperamos unanimismo.
Nós fomos os primeiros a avançar com uma candidatura, até ao momento os únicos, mas as eleições são só em dezembro. Ainda há muito tempo e nós sabemos que, nestes casos, um minuto pode ser muito tempo. De qualquer forma, estou convencido, e honestamente espero, que existam diversas listas a concorrer aos vários órgãos, não só ao Conselho Nacional, mas também ao Conselho de Jurisdição e ao Conselho de Fiscalização. Porque, no meu entendimento, isso demonstra vitalidade, e não divisionismo. Nós não queremos partir o partido, passe a redundância. Nós queremos criar riqueza com a diversidade de ideias.
Por isso, não sei quantas listas aparecerão, até pode ser só a nossa, mas não acredito nisso. Pode aparecer mais uma, duas, três ou quarto, e isso será de salutar, porque poderemos conversar e discutir ideias e estratégias. Como já disse anteriormente, quando se juntam três liberais, há quatro ideias diferentes, que é a de cada um e, depois, a súmula das três. Por isso, se houver listas diferentes, com ideias e perspetivas diferentes, no debate entre nós poderemos ter uma Iniciativa Liberal muito mais pujante e mais rica, até para aquilo que ela existe, que é resolver os problemas dos portugueses.
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