"Se estiver em incompatibilidade, [...] cumprirei a sanção que me for aplicada. A única questão aqui que me revolta, obviamente é que eu estive três anos a achar que estava bem, e não é porque não conhecia a lei, eu conhecia a lei, mas também conhecia a interpretação da lei", disse o ministro das Infraestruturas e da Habitação, que está a ser ouvido na Assembleia da República, por requerimento do PS, para esclarecimentos sobre a celebração de contratos públicos por uma empresa do pai do ministro, onde tem uma participação de 0,5%.
Em causa está uma notícia do Observador, que avançava que uma empresa detida pelo ministro Pedro Nuno Santos, e pelo seu pai terá beneficiado de um contrato público por ajuste direto.
"Obviamente que terei de cumprir, e cumprirei, com toda a responsabilidade [a decisão do Ministério Público e do Tribunal Constitucional]. Sairei sempre, caso isso aconteça, com um profundo sentimento de injustiça: injustiça pessoal, injustiça para a minha família, injustiça para a empresa e injustiça para a democracia", tinha dito antes o ministro.
Questionado se é ou não favorável a uma alteração da lei das incompatibilidades de titulares de cargos públicos, Pedro Nuno Santos pediu escusa para dar opinião.
"Obviamente, eu faço uma avaliação da lei, [...], mas não quero fazer nenhum juízo sobre se a lei deve ser alterada ou não, [alterada] agora, ou mais tarde. Neste momento, o meu caso já foi espoletado, pelo próprio Ministério Público, há um pedido do Chega, mas acho que antes disso o Ministério Público já tinha iniciado um processo de averiguações e é por esse processo que terei de esperar com muito respeito", acrescentou o governante.
Questionado se já foi contactado pelo Ministério Público e pelo Tribunal Constitucional para esclarecimentos, Pedro Nuno Santos disse que ainda não.
"Ainda não fui contactado, mas presumo que venha a ser e, obviamente, que o meu interesse no esclarecimento cabal e rápido é absoluto, isso para mim também é claro. [...] Obviamente que a decisão final é das instâncias competentes e nós temos de as respeitar e é assim que será, evidentemente", vincou o governante.
De todos os grupos parlamentares, Paula Santos, do PCP, foi quem expressou mais dúvidas sobre incompatibilidades neste caso.
Já Emília Cerqueira, do PSD, e Filipe Melo, do Chega, sublinharam que o Governo devia ter-se precavido, para que o caso não chegasse a este ponto, e reiteraram que "a lei é para cumprir", enquanto Maria Mortágua, do Bloco de Esquerda, referiu que a lei das incompatibilidades "pode ser aprimorada" e lembrou que a fiscalização deste regime pertence ao Tribunal Constitucional e ao Ministério Público, "mais do que ao parlamento".
Por sua vez, Carlos Guimarães Pinto, da Iniciativa Liberal (IL), que há duas semanas apontou o dedo à ministra da Coesão Territorial, Ana Abrunhosa, por causa de uma empresa do marido que recebeu fundos do Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), cuja gestão está sob a sua alçada, disse hoje não conseguir responsabilizar politicamente o ministro no caso da Tecmacal, que é uma empresa que fornece equipamento industrial ao setor do calçado, uma vez que Pedro Nuno Santos, com uma participação de 0,5% na empresa e sendo ministro das Infraestruturas , "nem tutela os compradores, nem tem capacidade de influenciar as decisões de quem vende".
"Fundamentalismos populistas sobre estes temas diminuem a nossa capacidade de atrair pessoas de qualidade para a política. Por isso e por este caso em concreto, eu não consigo, em boa consciência, julgá-lo nem política, nem eticamente. Resta, obviamente, a questão legal", considerou o deputado da IL.
A audição de Pedro Nuno Santos no parlamento durou cerca de quatro horas e começou com meia hora de atraso devido a uma discussão entre os deputados da Comissão de Economia, Obras Públicas, Planeamento e Habitação, antes do início.
O deputado Carlos Pereira, do PS, queixou-se ao presidente da comissão, Afonso Oliveira (PSD) que os termos do requerimento do PS para audição do ministro sobre a empresa da família não estavam a ser cumpridos, uma vez que os socialistas pretendiam uma ronda adicional à audição que já estava previamente marcada, sobre a TAP, mas que, em vez disso, tinham sido marcadas duas audições seguidas.
O presidente da comissão argumentou que os termos em que a audição ia decorrer tinham sido aprovados em reunião prévia da comissão, na qual o deputado Carlos Pereira não tinha estado presente, e prosseguiu os trabalhos.
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