De acordo com a acusação do processo em que são arguidos Isaltino Morais, o seu então vice-presidente Paulo Vistas e quatro outros antigos autarcas dos municípios de Odivelas e Mafra, os factos descritos na acusação ocorreram entre 2006 e 2012.
No mandato de 2005/2009, lê-se na acusação, a que a Lusa teve hoje acesso, era intenção de Isaltino Morais e Paulo Vistas realizar obras de grande envergadura que lhes permitissem "mostrar obra feita" e, assim, terem maior probabilidade de serem reeleitos nas autárquicas de 2009.
Entre as obras que se propunham construir, indica o Ministério Público (MP), estavam um centro de formação profissional, um centro de congressos, três escolas e dois centros geriátricos, que poderiam, contudo, levar a que o município atingisse ou excedesse os limites da capacidade de endividamento.
"Aproveitando o interesse na execução das obras" e seguindo "a estratégia" que tinham montado, dois outros arguidos no processo - o presidente do conselho de administração da empresa MGR -- Engenharia e Construção, Fernando Gouveia, e o presidente do conselho de administração da empresa de assessoria/consultoria FSCD Formação Social e Cooperação para o Desenvolvimento, Marco Carreiro -- contactaram Isaltino Morais, "conseguindo convencê-lo das pretensas vantagens na escolha do modelo de PPPI [Parcerias Público Privadas Institucionais] para a realização das obras que o município pretendia efetuar quando comparadas com o modelo de contratação tradicional".
"Desde o primeiro momento que os arguidos Isaltino Morais e Paulo Vistas ficaram convencidos e agradados com o modelo de PPPI", pois desse modo poderiam "realizar obras importantes a curto prazo e apresentá-las aos seus munícipes nas vésperas das próximas eleições autárquica", apesar das limitações orçamentais e legais existentes, salienta o MP, acrescentando que os dois autarcas terão conduzido todo o processo de constituição de duas PPPI, tendo sempre "intervenção e influência direta nas várias fases decisórias".
Contudo, segundo a acusação, "as suas decisões foram tomadas sem que fossem avaliados e ponderados os custos, diretos e indiretos, bem como as possíveis vantagens e desvantagens que a parceria poderia proporcionar ao parceiro publico", tendo como intenção "beneficiar a sociedade MRG" que, em concertação com a FSCD, ia acompanhando "a tramitação política do processo" e adquirindo vantagem competitiva em concursos "feito à sua medida".
Desta forma, Isaltino Morais e Paulo Vistas atuaram "em desconformidade com as normas de controlo orçamental e da contratação pública" e com os "princípios da isenção, da transparência e da boa administração dos dinheiros públicos, violando gravemente os deveres inerentes às suas funções", com a intenção de beneficiar a sociedade MRG, nomeadamente através de "margens de lucro excessivas obtidas enquanto empreiteira das obras da PPPI", indica o MP.
Além disso, é acrescentado, Isaltino Morais e Paulo Vistas sabiam que ao atuar desta forma "causavam necessariamente prejuízos" ao município de Oeiras, já que os custos suportados e assumidos pela autarquia na sequencia das PPPI eram "muito superiores aos que eram efetivamente necessários para construir os mesmos equipamentos com recurso ao modelo de contratação tradicional (empreitada de obra pública)".
Isaltino Morais e Paulo Vistas estão acusados, cada um, de um crime de prevaricação de titular de cargo político, punível com pena de prisão entre dois e oito anos.
De acordo com a lei, comete o crime de prevaricação o titular de cargo político quem, conscientemente, conduza ou decida contra a lei um processo em que intervenha no exercício das suas funções, com a intenção de, por essa forma, prejudicar ou beneficiar alguém.
No processo, também são acusados pelo mesmo crime a antiga presidente da Câmara de Odivelas Susana Amador, atualmente deputada do PS na Assembleia da República, e o ex-vereador do município Paulo Teixeira, assim como o ex-presidente da Câmara de Mafra José Ministro dos Santos (PSD) e o seu antigo vice-presidente Gil Rodrigues.
O presidente do conselho de administração da MGR e o presidente do conselho de administração da FSCD são acusados, cada um, de três crimes de prevaricação de titular de cargo político.
Relativamente a Isaltino Morais, Paulo Vistas, Susana Amador, Paulo Teixeira, José Ministro dos Santos e Gil Rodrigues, o Ministério Público requer ainda que, em caso de condenação, seja declarada a perda dos mandatos de cargos políticos de natureza eletiva que, então, se encontrem a desempenhar.
Na quinta-feira, a Procuradoria-Geral Distrital de Lisboa (PGDL) anunciou a dedução desta acusação, adiantando que o inquérito teve por objeto a investigação das Parcerias Público Privadas Institucionais (PPPI) de três municípios da Área Metropolitana de Lisboa -- Oeiras, Odivelas e Mafra -- "nas quais o parceiro privado escolhido foi sempre um consórcio liderado pela mesma empresa de construção civil, tendo todos os procedimentos concursais sido preparados e instruídos pela mesma empresa de assessoria/consultoria".
De entre os arguidos, apenas Isaltino Morais continua a exercer um cargo autárquico, depois de ter reconquistado a Câmara de Oeiras nas eleições de setembro de 2021.
O autarca foi eleito para o cargo pela primeira vez em 1985, pelo PSD, e renovou os mandatos nas eleições de 1989 até 2009, com uma interrupção de três anos. Durante parte deste período, foi ministro das Cidades, Ordenamento do Território e Ambiente.
Foi eleito pelo PSD pela última vez em 2001 e, a partir de 2005, continuou à frente da autarquia como independente, abandonando o cargo em 2013 para cumprir pena de prisão por fraude fiscal e branqueamento de capitais.
Enquanto cumpria a pena, o seu 'vice', Paulo Vistas, tomou posse como presidente e foi depois eleito, em 2013, pelo movimento Isaltino, Oeiras Mais À Frente (IOMAF). No entanto, os dois autarcas afastaram-se e, em 2017, concorreram em separado, numas eleições que Isaltino Morais acabaria por vencer com maioria.
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