Depois de ter sido acusado no processo Operação Marquês pelo Ministério Público, em 2017, o antigo primeiro-ministro socialista José Sócrates aproveitou a atual crise política para voltar a atirar 'farpas' ao Ministério Público, num artigo de opinião, acusando-o de derrubar o Governo.
Em causa está a demissão do primeiro-ministro António Costa, após a Procuradoria-Geral da República ter revelado, num comunicado, que iria ser aberto um inquérito autónomo a António Costa no Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito da Operação Influencer.
"O Ministério Público derrubou um Governo, acabou com uma maioria absoluta e dissolveu a Assembleia da República", começa por referir, no artigo intitulado 'Nada como um dia depois do outro', publicado no Diário de Notícias.
O antigo deputado socialista escreve ainda que "em apenas quatro horas a vontade popular livremente expressa nas urnas foi substituída pela decisão de realizar novas eleições", dando conta ainda que "a caminho do cadafalso, os lábios dos socialistas entoam cânticos de confiança na Justiça." "Esplêndido", ironiza José Sócrates.
Comparando, implicitamente, ao caso que o levou perante a Justiça em 2021, o antigo primeiro-ministro destaca que "desta vez há debate". "Pelo menos, há debate", acrescenta.
Sócrates recorda que os "os procuradores expressam, apressadamente, o argumento de que todas as suspeitas têm de ser investigadas", justificando com o "princípio da legalidade". No entanto, "não é nada disso que está em causa". "A investigação existe há quatro anos e ninguém protestou contra ela", afirma.
"O que está em causa são os motivos para prender, para fazer buscas e para tornar públicas suspeitas que, podendo fundamentar a decisão de investigar, não justificam a violência sobre as pessoas. Isso, sim, é o que está em causa", acusa.
Na ótica de José Sócrates, o processo deteve "cinco pessoas por motivos fúteis e arruinado a sua reputação pública", considerando esse detalhe, "talvez, mais importante".
No entanto, como ponto crítico nesta história, o antigo primeiro-ministro destaca "o tempo". "Quando o Ministério Público decide prender, fazer buscas em casas particulares e tornar pública uma investigação, deve ter já na sua posse provas que considere suficientes da culpabilidade dos envolvidos. Deve estar pronto para acusar. Pois bem, não está", atira.
"Todos sabemos que esta investigação vai durar anos, que os suspeitos vão pedir a aceleração processual, que os prazos de inquérito não vão ser cumpridos e que os procuradores manterão os suspeitos devidamente presos na prisão da opinião pública durante o tempo necessário a que outro tempo político floresça", afirma Sócrates.
"A armadilha mental da Direita resulta em pleno - criticar os abusos do Ministério Público é 'atacar a Justiça', dizem eles. Quanto aos socialistas, não querem perder tempo. Nem quatro meses, nem quatro dias, nem quatro horas. Alguém disse que 'todos os que se calam são dispépticos'. Sim, este silêncio faz mal ao estômago", acusa.
Para Sócrates, "nesta democracia, o Ministério Público presta contas a Deus, não aos homens, que se devem limitar a baixar a cabeça e expressar a sua confiança na Justiça". "Daqui a quatro meses haverá novo governo, haverá novos escândalos e haverá novas oportunidades para dizer que confiamos na Justiça. Nada de novo debaixo do sol - apenas a Justiça a funcionar", termina.
Sublinhe-se que uma operação realizada na passada terça-feira, 7 de novembro, pelo Ministério Público no âmbito desta investigação assentou em pelo menos 42 buscas e levou à detenção de cinco arguidos.
No total, há nove arguidos no processo, entre eles o ministro das Infraestruturas, João Galamba, o presidente da Agência Portuguesa do Ambiente, Nuno Lacasta, o advogado e antigo porta-voz do PS João Tiago Silveira e a empresa Start Campus. Nestes casos, não houve detenções.
O processo visa as concessões de exploração de lítio de Montalegre e de Boticas, ambos no distrito de Vila Real; um projeto de produção de energia a partir de hidrogénio em Sines, Setúbal, e o projeto de construção de um centro de dados na Zona Industrial e Logística de Sines pela sociedade Start Campus.
Segundo o Ministério Público (MP), estariam em causa os crimes de prevaricação, corrupção ativa e passiva de titular de cargo político e tráfico de influência. No entanto, os cinco detidos foram, na segunda-feira, libertados pelo juiz de instrução.
António Costa é alvo de uma investigação do MP no Supremo Tribunal de Justiça, após suspeitos terem invocado o seu nome como tendo intervindo para desbloquear procedimentos nos negócios investigados.
Segundo a indiciação, o MP considera que houve intervenção do primeiro-ministro na aprovação de um diploma favorável aos interesses da empresa Start Campus.
António Costa apresentou na terça-feira a demissão e o Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, anunciou depois a marcação de eleições legislativas antecipadas para 10 de março de 2024.
Também o ministro das Infraestruturas, João Galamba, apresentou a sua demissão ao Governo, após ter sido constituído arguido na sequência da Operação Influencer.
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