O caso de uma mulher que sofreu um aborto espontâneo e a quem terá sido recusada assistência no hospital das Caldas da Rainha, na segunda-feira, espoletou (novas) acusações entre o Governo e a Oposição em relação ao estado do Serviço Nacional de Saúde (SNS).
O incidente, sublinhe-se, ocorreu num dia em que a urgência obstétrica do hospital das Caldas da Rainha, no distrito de Leiria, se encontrava encerrada e a mulher, que estava a sofrer hemorragias, só foi atendida após insistência do Centro de Orientação de Doentes Urgentes (CODU) e dos bombeiros.
No entanto, as críticas da oposição ao Governo sobre a situação do SNS intensificaram-se um dia antes, num fim de semana em que dez urgências de Ginecologia/Obstetrícia e de Pediatria se encontravam encerradas.
No domingo, o Partido Socialista (PS) anunciou que irá pedir reuniões com os hospitais que estão com urgências encerradas e apelou ao primeiro-ministro, Luís Montenegro, para que apresentasse medidas "face à gravidade dos problemas" que o SNS está a enfrentar.
Na terça-feira, o líder parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), Hugo Soares, respondeu, desafiando o partido liderado por Pedro Nuno Santos a "meter a mão na consciência" e a aceitar que é preciso unidade para recuperar o SNS do "colapso que resultou dos últimos oito anos" de governação.
"O PS tem de meter a mão na consciência. O desafio de recuperar o SNS do colapso que resultou dos últimos oito anos é enorme e precisa da ajuda de todos", defendeu, reiterando que o PS, "em vez de se aproveitar dos problemas que deixou, tem de meter a mão na consciência" e "mesmo o PCP e o BE não estão inocentes".
Por sua vez, o PS acusou, já na terça-feira, o Governo de trazer "instabilidade ao Serviço Nacional de Saúde" ao ter interrompido a reforma que a anterior direção executiva tinha em curso, e recusou "lições de moral do PSD".
"Ao longo dos últimos meses, aquilo que nós temos visto é o Governo trazer instabilidade para o SNS, em vez de cuidar de ultrapassar as dificuldades e, quando no início deste mandato, o Governo procurou questionar as funções da direção executiva, mudar a direção executiva e a sua forma de trabalhar, criou uma pressão adicional sobre o verão, que é agora hoje visível, com muito pouca transparência no funcionamento das urgências e muita instabilidade na resposta aos cidadãos", defendeu a deputada socialista Mariana Vieira da Silva.
Também pelo PS, a líder parlamentar Alexandra Leitão acusou a ministra da Saúde, Ana Paula Martins, de ter interrompido a "reforma do SNS em curso" e questionou até quando o Governo vai "enjeitar responsabilidades".
"Depois de atirar culpa para o anterior Governo, AD e ministra da Saúde culpam administrações e profissionais de saúde", escreveu Alexandra Leitão numa publicação na rede social X. "O plano de emergência é da ministra, foi sua a opção de interromper a reforma do SNS em curso. Até quando vão enjeitar responsabilidades?", questionou.
Depois de atirar culpa para o anterior governo, AD e ministra da Saúde culpam administrações e profissionais de saúde. O plano de emergência é da ministra, foi sua a opção de interromper a reforma do SNS em curso. Até quando vão enjeitar responsabilidades?https://t.co/T4GtTI8cRd
— Alexandra Leitão (@Alexandrarfl) August 6, 2024
Já o presidente do Chega considerou que o plano do Governo para a saúde falhou e que o setor atravessa um momento explosivo com "notícias perturbadoras". "O que temos na Saúde é explosivo. Não houve reorganização dos serviços, não houve acordos com os profissionais que os satisfaçam e estamos com uma afluência turística grande a juntar à afluência de imigrantes", sustentou.
"Todos os dias tivemos notícias perturbadoras do funcionamento do sistema de saúde, desde grávidas a quem é negada assistência nas Caldas da Rainha a pessoas que esperam horas e horas nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto. É momento para dizer que este plano falhou", acrescentou.
Mais à Esquerda, Bernardino Soares, membro do Comité Central do PCP, afirmou que o Governo optou por "assistir impavidamente à degradação da condição de atendimento" às grávidas.
"Já há um pacto de regime entre o PS, PSD e CDS que é deixar cair a obstetrícia e a ginecologia no Serviço Nacional de Saúde (SNS). Foi isso que fizeram no Governo anterior, é isso que este Governo está a fazer", acusou Bernardino Soares, em conferência de imprensa.
Já na noite de terça-feira, Hugo Soares, do PSD, voltou a rejeitar as críticas dos partidos da Oposição e atirou: "Não tenho qualquer tipo de dúvida que o senhor primeiro-ministro e a senhora ministra da Saúde quando entenderem que devem falar ao país fá-lo-ão e darão as respostas todas".
O deputado afirmou ainda que a situação do SNS é "simples" de explicar e que o problema é que "não há médicos suficientes para manter os serviços de obstetrícia e ginecologia de urgência abertos todos os fins de semana, porque uns estão de fim de semana e outros estão de férias".
Afinal, o que se passou na urgência das Caldas da Rainha?
Na segunda-feira, uma mulher, com hemorragias após sofrer um aborto espontâneo, viu negada a assistência no hospital de Caldas da Rainha, cuja urgência obstétrica estava encerrada. Segundo o comandante dos bombeiros das Caldas da Rainha, a vítima foi apenas foi atendida após insistência do CODU e dos bombeiros.
A notícia foi avançada pela CNN Portugal e confirmada pelo Notícias ao Minuto junto do comandante dos bombeiros das Caldas da Rainha, que revelou que a mulher chegou ao hospital pelos próprios meios, onde lhe disseram que não a podiam admitir.
À porta do hospital, a perder sangue e com o feto num saco, a mulher teve de ligar para o 112, que acionou os bombeiros. O pedido de ajuda foi feito ao CODU e pelas 07h21 uma ambulância da corporação foi acionada. "À chegada deparámo-nos com a mulher suada, a chorar, com muitas dores e uma forte hemorragia", revela o comandante, explicando que os bombeiros disseram ao marido para ir pedir ajuda dentro do hospital, embora o homem já o tivesse feito assim que chegaram.
A mulher de 31 anos, que estava grávida de 3 meses, só foi atendida depois de os bombeiros insistirem que levá-la para Coimbra, numa viagem que demoraria mais de uma hora, seria impossível.
Em comunicado, a ULS Oeste confirmou que a urgência de ginecologia e obstetrícia de Caldas da Rainha "não estava a funcionar", mas negou que a unidade hospitalar tenha recusado atender a utente.
Confrontado com este esclarecimento, o comandante da corporação dos bombeiros de Caldas da Rainha acusou a ULS Oeste de "faltar à verdade", argumentando que "se a urgência estava fechada, não há registo na admissão de doentes".
Na terça-feira, a Entidade Reguladora da Saúde (ERS) anunciou que "o quadro das suas atribuições instaurou um processo de avaliação a este caso", acrescentando que irá "cooperar na investigação" com a Inspeção-Geral das Atividades em Saúde (IGAS).
Também em comunicado, a IGAS confirmou que abriu um "processo de inquérito aos factos relacionados com a assistência prestada a uma utente grávida na manhã do dia 05 de agosto de 2024, na unidade hospitalar de Caldas da Rainha, integrado na Unidade Local de Saúde [ULS] do Oeste".
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