Uma série de artigos que vão ser publicados hoje pelas universidades de Stanford, Houston Methodist e o Imperial College mostram que uma ferramenta desenvolvida pela Google propôs hipóteses e utilizações novas para medicamentos existentes que foram entretanto validadas pelos cientistas.
O chamado "co-cientista de IA" baseado na plataforma Gemini da Google é um assistente de investigação desenvolvido para propor novas hipóteses e fornecer protocolos detalhados para a sua validação experimental.
O sistema foi otimizado para se concentrar na biomedicina, propondo a reorientação de medicamentos, sugerir novas abordagens para doenças complexas e perceber os mecanismos de evolução bacteriana e de resistência antimicrobiana.
O professor de Patogénese Bacteriana no Imperial College London Tiago Costa afirmou à Lusa que os resultados mostram que a IA tem muito potencial para ajudar e acelerar o ritmo das descobertas científicas.
"Nós falhamos 90% das experiências no laboratório porque, por vezes, essas experiências são conduzidas por hipóteses erradas, pressupostos errados ou mesmo literatura errada", referiu.
"Se conseguirmos reduzir 90% das experiências falhadas em apenas 20%, estaremos a poupar 20% do nosso tempo, dos nossos salários, dos salários das pessoas no laboratório, do dinheiro dos projetos de investigação, o que, no fim de contas, é uma quantia substancial de dinheiro dos contribuintes", disse.
No caso do cientista português, a investigação estava centrada numa família de vírus cujo ADN e mecanismo usado para infetar diferentes espécies bacterianas, que até então era desconhecido.
Durante vários anos, Tiago Costa, juntamente com outros investigadores, trabalharam sobre a hipótese de que estes vírus podem usar diferentes "caudas" para infetar diferentes bactérias.
A descoberta foi patenteada pela importância que tem em termos de terapia fágica.
Estes novos fagos híbridos podem ser utilizados para matar diferentes espécies bacterianas multirresistentes a antibióticos.
O resultado está prestes a ser publicado numa das principais revistas científicas mundiais.
Entretanto, Costa iniciou uma colaboração com a Google para o desenvolvimento do co-cientista e, ao apresentar a questão inicial do projeto, em dois dias receberam cinco hipóteses, incluindo a mesma que demorou quase dez anos a desenvolver.
José Penadés, professor de microbiologia na universidade londrina e um dos cientistas envolvidos, contou à Lusa como ficou chocado ao perceber que a ferramenta de IA tinha oferecido a mesma solução sem ter acesso ao trabalho e experiências realizadas.
"Foi um sábado, estava a fazer compras com alguém e pedi para ficar sozinho para processar isto. E a primeira coisa que perguntei à Google foi: vocês têm acesso ao meu computador?", confiou.
Após discussões e análises, concluíram que não usaram os dados dos cientistas, e que o raciocínio foi feito independentemente pelo co-assistente ao analisar a bibliografia disponível publicamente.
Além da hipótese, também sugeriu métodos de investigação para comprovar a hipótese.
Os laboratórios de Tiago Costa e José Penadés trabalham para compreender como as bactérias evoluem e se tornam mais resistentes e virulentas, utilizando mecanismos de transferência de informação genética.
O português investiga um desses mecanismos, denominado conjugação, através do qual a bactéria utiliza um nanotubo para transferir ADN que codifica genes de resistência a antibióticos e fatores de virulência.
Já o laboratório do académico espanhol investiga outro mecanismo de transferência de ADN, denominado transdução, mediado por vírus bacterianos (bacteriófagos).
Penadés adiantou que outra das cinco hipóteses propostas pela ferramenta da Google também é bastante credível e está a ser estudada.
No entanto, o português descartou o risco de a IA substituir completamente a investigação científica e o processo tradicional porque a resposta não pode ser considerada como um facto verdadeiro.
"Continuamos a começar com a pergunta científica e a hipótese, continuamos a ter de fazer trabalho experimental, interpretar os resultados e tirar conclusões. Nada muda", garantiu.
A vantagem, salientou, é que "o ritmo a que o fazemos, sem nos distraímos com hipóteses científicas menos viáveis ou menos significativas".
"É como ter um colaborador muito inteligente que pode consultar a literatura, fazer ligações e apresentar-nos um plano de investigação", ilustrou.
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