Deputado ao longo de 18 anos, Bernardino Soares não se imagina a voltar à Assembleia da República. Mas nem por isso o atual presidente da Câmara de Loures deixa de comentar o que se passa no Parlamento.
O entrevistado do Vozes ao Minuto de hoje, faz a sua análise ao Governo de António Costa, que considera ter pernas para andar se continuar a seguir o caminho proposto sobretudo pelo PCP. Caso contrário, corre o risco de cair.
Que análise faz ao governo de António Costa?
É um Governo que por causa da solução política que o suporta inverteu algumas das medidas negativas do governo anterior, concretizou algumas melhorias e alguns avanços que são importantes e agora está um bocadinho a meio da ponte, entre continuar nesse caminho, com maior ou menor velocidade, com medidas como defende o PCP - procurar ganhar mais direitos para os trabalhadores, aumentar as condições dos serviços públicos e outras medidas desse tipo - ou voltar a cair ou continuar nas regras neoliberais da União Europeia e que, aliás, o PS sempre defendeu enquanto esteve no Governo.
O que é necessário para que siga em frente nessa ponte?
É preciso ter não só um forte investimento nos salários, nos rendimentos, nas reformas, nos salários, nas pequenas empresas, através do consumo interno, como um grande pendor de investimento público. E estamos com o investimento público mais baixo de sempre há varias décadas. Precisamos de mais investimento público. Cada milhão de investimento, em regra, dizem os economistas, potencia oito milhões de investimento privado. É claro que é uma regra da macroeconomia e na realidade pode não ser bem assim, mas a verdade é que não há nenhum país que se tenha desenvolvido a partir de uma situação de recessão, como foi o nosso caso, sem uma forte intervenção de investimento.
A História lembrará que, na noite das eleições, o Partido Socialista fez um discurso de derrota e foi só após os desafios do PCP que essa situação se inverteuPrecisamos de ter mais investimento público nem que para isso seja necessário romper com as regras do défice, porque estas são um garrote que nos limita o desenvolvimento.
Depois há também a questão da distribuição da riqueza. Temos de acabar com os benefícios aos grandes grupos económicos, aos setores mais poderosos do país e aumentarmos uma distribuição da riqueza mais justa em relação à população, a quem trabalha e a quem já trabalhou. Por outro lado, matérias como a legislação laboral e o combate à precariedade também são muitíssimo importantes. Uma das coisas que mais condiciona a vida dos trabalhadores no nosso pais é a precariedade, é não saber se no próximo mês ou dali a seis meses vão ter trabalho.
E como o apoio do PCP ao Governo?
O PCP foi decisivo nesta solução de Governo porque a História lembrará que, na noite das eleições, o partido socialista fez um discurso de derrota e foi só após os desafios do PCP, dizendo que o PS só não formava governo se não quisesse, que essa situação se inverteu.
Haverá momentos certamente de grande divergência entre Marcelo e o PCP e entre Marcelo e outras forças à EsquerdaNós não passámos a ser idênticos nas opções em relação ao PS, mantemos as nossas divergências e algumas são profundas em vários aspetos da vida política, mas não podíamos aceitar que continuássemos a ter um governo PSD/CDS que tinha tido minoria de votos no conjunto da eleição e que se preparava para continuar a aplicar uma política de destruição nacional. Não nos conformámos perante isso. Muitos dos ganhos que têm sido obtidos têm sido com a ação decisiva do PCP mesmo nas autarquias onde o partido tem uma reflexão e uma capacidade de proposta de grande qualidade e muito ligada às realidades locais.
Considera que Jerónimo de Sousa tem sido uma voz essencial no partido ou está na altura de uma nova liderança?
Ele tem uma voz essencial no país. É uma pessoa que é uma referência para largas camadas da população muito para além do PCP, pela justeza das posições que defende, que são do PCP, e pela forma direta, simples, mas não simplista, com que aborda diversos problemas. Julgo que para muitas pessoas ele representa o que gostariam de dizer nos sítios onde ele intervém. E isso é uma mais valia fantástica que tem a ver também com características do próprio, de humanidade, de experiência de vida, que o tornam uma personalidade ímpar no panorama político nacional e respeitado em todos os setores.
Mas eventualmente terá de ser substituído. Quem acha que está à sua altura para assumir a liderança do PCP?
Ele não precisa de ser substituído. Acabou de ser eleito em congresso para um mandato de quatro anos. Mas sim acabará por acontecer, todos nos vamos terminar os nossos mandatos.
E Marcelo Rebelo de Sousa tem tido um papel preponderante para o sucesso deste Governo?
Julgo que foi positivo que ele não tivesse obstaculizado esta opção política. Agora Marcelo Rebelo de Sousa é uma personalidade de Direita, em momentos em que é preciso ter um posicionamento político, ele tem marcado posições. Em relação à banca, as medidas negativas que o PS tomou em relação ao Banif, por exemplo, esta ideia de vender o Novo Banco, tem tido o apoio do Presidente da República.
Não há nenhuma razão hoje para não termos um comunista à frente da Câmara Municipal de LisboaNão tenho nada a criticar quanto ao estilo da sua proximidade das pessoas, isso é uma coisa positiva e não negativa, mas não deve confundir-se com as orientações políticas de um Presidente da República, que é uma coisa bem diferente. A história o dirá... como haverá momentos certamente de grande divergência com o PCP e com outras forças à Esquerda. Certamente irá acontecer.
Concorda que Marcelo tenta transmitir a ideia de que está sempre tudo bem?
Não penso que alguém, mesmo o Presidente da República, consiga esconder as coisas que estão mal quando estão mesmo mal.
Quanto às eleições à Câmara de Lisboa (CML), que análise faz, com nomes como Fernando Medina e Assunção Cristas em destaque?
Não, está enganada. Eu próprio tive a oportunidade de estar na apresentação do João Ferreira e até parece que já há outras [candidaturas]. Julgo que o João Ferreira é um dos quadros dirigentes mais destacados do PCP, tem um trabalho inigualável no Parlamento Europeu, teve um mandato de muita presença e muita participação e iniciativa política neste mandato na Câmara de Lisboa como vereador e é sem dúvida uma pessoa que tem todas as condições para ser presidente da CML.
Já ninguém quereria, nem mesmo alguns dos que o apoiaram, voltar a esse governo de destruição nacional que foi o governo PSD/CDS Ele está a destacar-se. Não há nenhuma razão hoje para não termos um comunista à frente da CML. Como o próprio João Ferreira diz: se a CDU e PCP estão em maioria nas câmaras da área metropolitana de Lisboa não há razão para isso não poder acontecer.
E de que forma é que pode marcar um papel diferente à frente desta autarquia?
Ele tem o seu programa, já apresentou algumas ideias contra uma política de especulação, que tem vindo a ser recenseada pela CDU em Lisboa. Mas eu não vou fazer o debate político por ele.
Acha que Assunção Cristas foi inteligente em candidatar-se a Lisboa?
A última experiência que o CDS teve nessa matéria foi quando o Paulo Portas se candidatou com uns cartazes em que dizia ‘Eu fico’. E não ficou. Não sei se a história se vai repetir ou não, mas penso que é uma candidatura de Direita de uma pessoa que, aliás, tem grandes responsabilidades pelas situações dramáticas que algumas pessoas vivem em Lisboa. Por exemplo, a Lei das Rendas que foi da sua responsabilidade política e que tem dificultado a vida a muitos inquilinos na cidade.
O PSD ainda não tem um candidato definido, sabendo-se que não avançará com uma coligação. Em quem acha que vai recair a escolha de Passos Coelho para este cargo?
Acho que ninguém consegue prever isso, nem o próprio. Não é uma questão de previsão, já é uma questão de encontrar alguém que queira.
E porque é que acha ninguém quer dar a cara pelo partido? Está na hora de o PSD arranjar um novo líder?
Leio os jornais e percebo que já foram feitos vários convites e que nenhum foi aceite. Não me vou pronunciar sobre a vida interna do PSD. Passos Coelho foi um primeiro-ministro que penalizou muito o nosso povo, não tem mais nada para oferecer aos portugueses na sua proposta política que não seja a continuação da política que praticou no governo e todos percebemos que a maioria dos portugueses não quer isso. Já ninguém quereria, nem mesmo alguns dos que o apoiaram, voltar a esse governo de destruição nacional que foi o governo PSD/CDS.
É preciso ter coragem para se ser comunista e felizmente há cada vez mais pessoas com essa coragemQuanto ao seu futuro. Gostaria de voltar ao Parlamento?
Não tenho nenhuma perspetiva de outra função política que não seja a Câmara de Loures. É nisso que estou concentrado. Mas de certeza que não voltarei ao Parlamento. Já la estive 18 anos.
Chegou a dizer que era difícil ser-se comunista, porque havia muito preconceito. Isso está a mudar?
É fácil porque se dorme todos os dias tranquilamente com a consciência de dever cumprido, de defender posições justas e ter ações justas perante as pessoas. Enfrentamos uma grande incompreensão e uma barragem de comunicação negativa nos principais órgãos de comunicação social que torna muito difícil esta função. É preciso ter uma grande coragem em alguns sítios para se ser comunista. Mas não falo especificamente de mim. Um trabalhador assumir-se como comunista numa empresa que reprime os direitos dos trabalhadores é uma posição de grande coragem e isso continua a acontecer no nosso país 40 anos depois do 25 de Abril. Por isso é que digo que é preciso ter coragem para se ser comunista e felizmente há cada vez mais pessoas com essa coragem.
*Pode ler a segunda parte desta entrevista aqui.