"A minha relação com Pinto da Costa tem quase sete anos e tornou-se mais estreita nos meses subsequentes à sua saída do FC Porto, porque, embora tenhamos feito cinco livros juntos, ele passou a ter muito mais tempo para fazer algo de que gostava muito, que era cultivar a amizade. Frequentámo-nos muito mais nos últimos meses e isso fortaleceu esta amizade improvável entre um sportinguista e um portista", reconheceu à agência Lusa o escritor e responsável da Contraponto, do grupo Bertrand, que publicou várias das obras mais recentes do ex-líder 'azul e branco'.
Jorge Nuno Pinto da Costa, antigo presidente do FC Porto, clube no qual se estabeleceu como dirigente mais titulado e antigo do futebol mundial entre 1982 e 2024, morreu no sábado, aos 87 anos, vítima de cancro, provocando "horas de tristeza" em Rui Couceiro.
"Eu tentei ligar-lhe no final da semana, mas não me atendeu o telefone. Falei com a filha dele e combinei com ela que iríamos almoçar os três esta semana. Foi duro saber da sua morte poucas horas depois de termos combinado esse almoço, pois fica sempre aquela sensação muito amarga de não termos tido a possibilidade de nos despedirmos de uma pessoa de quem gostamos. É evidente que o almoço não iria ser propriamente encarado como uma despedida, mas eu estaria hoje menos triste se pudesse ter estado com ele nestes dias. Tenho a certeza disso, porque já não o via há algumas semanas", partilhou.
No domingo, em pleno dia de aniversário, Rui Couceiro dirigiu-se à Igreja das Antas para participar no velório de Pinto da Costa, com quem tinha apresentado em outubro de 2024 a publicação mais mediática da Contraponto acerca do antecessor de André Villas-Boas, intitulada "Azul até ao fim", perante quase um milhar de pessoas na Alfândega do Porto.
Sorridente e apoiado num caixão adornado com a bandeira do clube, o antigo presidente surge em nome próprio na capa de uma obra que começou a escrever em setembro de 2021, quando foi diagnosticado com um cancro na próstata, compilando pensamentos, inquietações e emoções, mas também as convicções dos seus derradeiros anos de vida.
"Ele gostava de escrever e, por vezes, mostrava-me os seus escritos. Foi uma pena não termos podido publicar mais um livro, pois certamente teria muitas histórias para contar. Contou-me em tempos recentes que nunca tinha tido tanto tempo para viver a vida. O FC Porto foi quase tudo para si e a sua própria história confunde-se com a do clube", notou.
Antes da sessão na Alfândega do Porto, mediatizada por uma das últimas intervenções públicas de Pinto da Costa, Rui Couceiro guardava a imagem de um "homem inteligente e de grande cultura", que aportava "um extraordinário sentido de humor e boa disposição, impressionava com uma memória assombrosa e revisitava histórias com amplo detalhe".
"A primeira perspetiva que tinha dele era meramente futebolística. Ou seja, destituída de razão e condimentada apenas com a emoção, que faz do futebol um desporto especial. Sendo eu sportinguista e sendo Pinto da Costa, no meu entender, o maior responsável pelos grandes êxitos do FC Porto, não poderia nutrir grande simpatia por aquela figura. O que é certo é que, quando conheci o homem para lá desse dirigente que me dava as tais tristezas a nível desportivo, encontrei um homem com muitas qualidades", rememorou.
Essa amizade começou em 2018, por ocasião da apresentação do livro "O meu coração só tem uma cor", editado pela Contraponto e prefaciado por Pinto da Costa, num evento realizado no museu do FC Porto, onde estava público afeto aos 'dragões' e a autora e humorista Joana Marques solicitou de forma imprevista uma intervenção a Rui Couceiro.
"Ela sabe que sou sportinguista e quis pregar-me essa partida. Levantei-me e disse que seria certamente o único não-portista presente naquela sala e que o senhor sentado ao meu lado na primeira fila era o responsável por grande parte das tristezas futebolísticas da minha vida. Ele terá achado piada àquela forma bem disposta de abordar a questão e aproximou-se de mim no final. Disse-me que o seu editor, [Pedro] Paradela de Abreu, já tinha morrido há alguns ano, mas gostaria de poder continuar a publicar livros", evocou.
Convidado por Pinto da Costa para almoçar, Rui Couceiro aceitou o repto e o reencontro encheu-se de conversas "sobre tudo, excetuando os livros futuramente editados" pela Contraponto quanto à obra e vida de um confesso apreciador e declamador de poesia.
Empossado pela primeira vez em 23 de abril de 1982, seis dias depois de ter sido eleito sem oposição como sucessor de Américo de Sá, o ex-dirigente exerceu funções durante 42 anos e 15 mandatos consecutivos, levando o FC Porto à conquista de 2.591 títulos em 21 modalidades - 69 dos quais no futebol sénior masculino, incluindo sete internacionais.
Leia Também: Sandra Madureira reage à morte de Pinto da Costa. "Fui leal, grata"