Depois de ter dito na última sexta-feira que o interrogatório do antigo diretor do SISE Gregório Leão tinha terminado, o juiz Efigénio Baptista voltou hoje a ouvir o arguido, com o fundamento de ter dado conta da necessidade de esclarecimento de alguns aspetos constantes nos autos.
Durante o interrogatório de hoje, Baptista confrontou Leão com o facto de ter dito num ofício datado de 13 de novembro de 2014 que a empresa de proteção marítima Proindicus não tinha capacidade de pagar as prestações do empréstimo que recebeu com dinheiro das dívidas ocultas, porque ainda não tinha começado a operar, devido à ausência do contrato de concessão com o Governo.
O fundamento apresentado por Leão no referido ofício entra em contradição com a data de celebração de um contrato de concessão entre a Proindicus e o Governo, que é 17 de fevereiro de 2014, de acordo com documentos lidos hoje pelo juiz.
Por outro lado, o Tribunal Administrativo emitiu um visto a autorizar o referido contrato de concessão a 12 de novembro de 2014, um dia antes do referido ofício.
No ofício, o antigo diretor do SISE solicita ao então ministro das Finanças Manuel Chang a emissão de uma nova garantia de cerca de 250 milhões de dólares (215 milhões de euros) para a cobertura de uma prestação de 90 milhões de dólares (77,5 milhões de euros) referente ao empréstimo concedido à Proindicus.
A prestação estava em risco de vencimento, devido à incapacidade de pagamento por parte da Proindicus.
"É uma questão de ser verdade ou não ser verdade, não é uma questão de linguagem, é uma questão de veracidade", declarou Efigénio Baptista sobre as alegadas contradições de Gregório Leão.
Confrontado com as declarações do juiz, Gregório Leão escusou-se a responder, alegando que não se recordava dos factos.
"Não me recordo das datas, prefiro não responder a esta questão", declarou.
Solicitado a ver os documentos constantes nos autos, Leão declinou fazê-lo.
Ainda hoje, o tribunal começa a ouvir o antigo presidente das três empresas estatais moçambicanas beneficiárias do dinheiro das dívidas ocultas e o arguido António Carlos do Rosário, antigo diretor da Inteligência Económica do SISE, o último dos 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas a ser interrogado.
O Ministério Público moçambicano acusa o antigo presidente das três empresas de ter recebido 8,9 milhões de dólares (7,6 milhões de euros) pelo seu papel no projeto de proteção da Zona Económica Exclusiva e criação das três companhias, que a justiça considera terem sido usadas como ardil para a mobilização dos empréstimos.
António Carlos do Rosário responde por associação para delinquir, peculato (apropriação ilegal de recursos do Estado) e branqueamento de capitais.
Hoje, o juiz anunciou o adiamento da audição dos primeiros declarantes, remarcando a sua comparecência para a próxima segunda-feira.
A justiça moçambicana acusa os 19 arguidos do processo principal das dívidas ocultas de se terem associado em "quadrilha" e delapidado o Estado moçambicano em 2,7 mil milhões de dólares (2,28 mil milhões de euros) - valor apontado pela procuradoria e superior aos 2,2 milhões de dólares até agora conhecidos no caso - angariados junto de bancos internacionais através de garantias prestadas pelo Governo.
As dívidas ocultas foram contraídas entre 2013 e 2014 junto das filiais britânicas dos bancos de investimentos Credit Suisse e VTB pelas empresas estatais moçambicanas Proindicus, Ematum e MAM.
Os empréstimos foram secretamente avalizados pelo Governo da Frelimo, liderado pelo Presidente da República à época, Armando Guebuza, sem o conhecimento do parlamento e do Tribunal Administrativo.?