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"O que a Rússia está a fazer é treta, não é uma negociação"

O ex-Presidente ucraniano Petro Poroshenko considera que as negociações entre Kiev e Moscovo são "uma treta" e que o Ocidente devia apostar no apoio militar à Ucrânia e isolar Vladimir Putin: "Não confiem nele, não tenham medo dele".

"O que a Rússia está a fazer é treta, não é uma negociação"
Notícias ao Minuto

15:24 - 18/03/22 por Lusa

Mundo Petro Poroshenko

Em entrevista à Lusa e à RTP em Kyiv, o antigo chefe de Estado, entre 2014 e 2019, recorre justamente à sua experiência de diálogo com o Presidente russo para duvidar da boa-fé de Moscovo sobre o cessar de hostilidades na Ucrânia, ao cabo de três semanas desde a invasão russa.

"O que está a fazer a Rússia? Nada. O que está a fazer a Rússia? Está a matar ucranianos. O que está a fazer a Rússia? Não sei quem é o senhor Medinsky (Vladimir, antigo ministro da Cultura russo], que está a representar a Rússia [nas negociações]. Ele não é nenhum representante, é treta, e isto não é nenhuma negociação", declara.

Em contrapartida, o atual deputado e líder do partido Solidariedade Europeia, de 56 anos, afirma que conhece bem o líder do Kremlin e conta como, ao longo do seu mandato como Presidente ucraniano, Putin nunca concretizou os seus compromissos, desde a libertação de reféns, à retirada de militares e de armas pesadas de artilharia no conflito da região de Donbass (leste).

Nesse sentido, deixa dois conselhos aos países do Ocidente: "Por favor, não confiem nele, ele nunca cumpre a sua palavra. Esta é a minha experiência com ele muitas vezes", afirma Poroshenko, e acrescenta: o Presidente russo "irá tão longe quanto nós, em conjunto, o deixarmos ir" e ", em conjunto, tem de ser travado".

Esta ideia conduz ao segundo conselho: "Não tenham medo de Putin. É isso que ele espera: milhares de tanques russos, conquista de território ucraniano e toda a Ucrânia vai ter... medo", aponta, dando o exemplo de resistência do seu país: "Aqui ninguém tem medo de Putin. Só alguns europeus e alguns americanos. Não tenham medo, ele é fraco, nós somos fortes se estivermos juntos".

Falando num pátio da ampla sede do seu partido, situada junto de algumas das principais instituições do poder no país, e à frente de três elementos das forças territoriais e de uma viatura blindada anfíbia de três toneladas, recorda-se ainda dos primeiros tempos na Presidência, quando foi eleito em maio 2014, após os protestos EuroMaiden, em Kyiv, e a Revolução da Dignidade, a que seguiu a escalada de violência na região de Donbass, o apoio de Moscovo aos movimentos separatistas no leste do país e anexação da Crimeia.

É com esse auxiliar de memória que o ex-chefe de Estado, que falhou em 2019 a recondução no cargo para o antigo comediante Volodymyr Zelensky, desvaloriza alguns dos pontos em causa nas atuais conversações, como a neutralidade de Kyiv, a adesão à NATO ou o reconhecimento da Crimeia.

"Em 2014 fui eleito Presidente e, quando Putin nos atacou, nós éramos neutrais, não tínhamos nenhuma obrigação legal de nos tornarmos membros da NATO, não tínhamos nenhuma contradição com a Rússia", declara, insistindo: "E Putin atacou-nos".

A forma de travar a invasão russa, segundo Poroshenko, passa por mais apoio militar do Ocidente à Ucrânia e isolamento do líder russo: "Eu tenho um plano, eu dei esse passo", declara, de modo solene, enumerando cinco pontos, que diz já ter discutido pessoalmente com o seu sucessor na Presidência ucraniana, líderes da oposição parlamentar e ainda com Estados-membros da NATO.

O primeiro ponto está precisamente relacionado com a neutralidade e um acordo de empréstimo, invocando o apoio em 1941, durante a II Guerra Mundial, que os Estados Unidos da América, "mantendo-se neutrais", forneceram ao Reino Unido, "sob a grande liderança de Winston Churchill", e a necessidade de mais apoio militar à Ucrânia.

Petro Poroshenko destaca a urgência de encerrar o espaço aéreo, referindo que, além das mortes, em bombardeamentos e ataques com mísseis, de civis e militares - que "apenas estão a defender a liberdade e a democracia e não só o território ucraniano" -, está em causa também a segurança de centrais nucleares.

"Nesta situação, precisamos de mísseis antiaéreos, e recebemos com agrado a decisão do Presidente [norte-americano] Joe Biden [de reforço de 800 milhões de dólares de apoio à Ucrânia], mas precisamos de mais".

"Precisamos de aviões de combate, de mísseis antiaéreos e armas antitanque", elenca, reforçando: "E precisamos disso porque todas as semanas estamos a gastar esses meios e porque 14.500 mil soldados russos já foram mortos por ucranianos. E precisamos de mais armas".

Outro ponto vital, salienta, é o reforço das sanções contra Moscovo e Vladimir Putin, que "devem ser cada vez mais fortes até que deixe o território ucraniano", exigindo igualmente um sistema mais forte que atinja individualidades e decisões no âmbito do Tribunal Penal Internacional.

"Ainda a propósito das sanções, parem de comprar recursos energéticos russos, parem de comprar petróleo e gás russos. A cada hora, só a Europa paga à Rússia 50 milhões dólares e cada centavo é pago para matar ucranianos. Isso vai definitivamente contra os nossos valores", critica.

O plano de Poroshenko prevê por fim a reconstrução pós-invasão e, mais uma vez, aprendendo com as lições da II Guerra Mundial: "Chamem-lhe Plano Marshall, ou chamem-lhe Plano Biden, ou Plano Michel [Charles, presidente do Conselho Europeu], ou Plano Johnson [Boris, primeiro-ministro britânico], ou chamem-lhe Plano Biden-Michel-Johnson, mas por favor façam qualquer coisa, não fiquem de fora".

De contrário, "a guerra vai bater à porta" dos países europeus, "não importa onde vivem, nos Estados Bálticos, em Portugal, em França ou na Alemanha", alerta o ex-líder ucraniano, pedindo urgência neste plano, que implica assistência e integração euro-atlântica da Ucrânia, que, "quanto mais próxima e profunda, mais segura e forte ficará a Europa".

Em suma, Poroshenko afirma que a Ucrânia "precisa de tudo menos soldados", porque já tem "os mais corajosos do mundo", e deixa uma mensagem final: "Os empréstimos de longa duração, aqueles que serão perdidos em ação, seriam eliminados. Para tudo o mais, a Ucrânia está disposta a pagar. Estamos dispostos a pagar para protegê-los, europeus".

"O mundo subestimou a força das forças armadas ucranianas"

"O mundo subestimou a força das forças armadas ucranianas", diz, após três semanas de guerra, o ex-Presidente da Ucrânia, que descreve Putin como "um maníaco", cujos crimes de guerra são piores que os cometidos Alepo, Grozni ou Guernica.

"É impossível imaginar o desastre que isto é, a não ser que se esteja aqui", afirma o antigo chefe de Estado, entre 2014 e 2019, em entrevista à Lusa e à RTP em Kyiv.

Segundo Poroshenko, "os ucranianos surpreenderam o mundo ao travar [o Presidente russo, Vladimir] Putin" e "o mundo subestimou a força das forças armadas ucranianas".

Ao fim de 22 dias de invasão, as forças de Moscovo falharam a conquista do seu principal objetivo, a capital ucraniana: "Agora somos um dos exércitos mais fortes em espírito do mundo", prossegue, alertando, no entanto, para os pesados custos que militares e civis estão a pagar, num "desastre que é esta forma de guerra" encetada por Putin.

"Só esta noite [quarta-feira], 12 mísseis de cruzeiro atacaram Kyiv, uma das explosões foi a 800 metros daqui. Os tanques russos estão a 12 quilómetros e temos notícias de um batalhão que perdeu quatro soldados a proteger a Ucrânia", apontou na entrevista, realizada num pátio da sede do seu partido, Solidariedade Europeia, no coração da capital.

Ao mesmo tempo, sente-se "orgulho da forma como o forte exército ucraniano travou as organizações e assassinos de Putin", em cidades ucranianas como Mariupol, Kharkhiv e Chernihiv", ou localidades muito próximas de Kyiv, como Irpin ou Bucha, atualmente "símbolos dos crimes" do líder russo.

"Eles 'apagaram' todas estas cidades. Fazem pior do que em Alepo, fazem pior do que Grozni, na primeira campanha da Rússia na Chechénia, fazem pior do que o ataque fascista em Guernica", descreve.

Neste cenário, "a Ucrânia paga um preço enorme em milhares de vidas perdidas": "Em cada segundo uma criança da Ucrânia abandona a sua casa, mais de cem crianças foram mortas, mais de mil civis foram mortos. E, dos relatos que temos de Mariupol e de Bucha, os números são na ordem das centenas".

Eleito em maio de 2014 após os protestos EuroMaidan, em Kyiv, e a Revolução da Dignidade, a que seguiu a escalada de violência na região de Donbass, o apoio de Moscovo aos movimentos separatistas no leste do país e anexação da Crimeia, Poroshenko acabou por perder a recondução no cargo para o atual Presidente, o antigo comediante Volodymyr Zelensky.

É com ele e com a restante oposição e ainda Estados-membros da NATO que o atual deputado e líder do Solidariedade Europeia, que nas últimas eleições ficou como quarta força no parlamento, discute um plano de cinco pontos, assente no reforço do apoio militar do Ocidente e no isolamento de Moscovo.

"Com a implementação dos cinco pontos deste plano, a guerra seria curta", preconiza, mas recusar mais ajuda e armas significa apoiar "o regime déspota e criminoso de Putin", defende, insistindo num dos elementos essenciais da sua mensagem aos parceiros de Kyiv: "Se [Putin] não for travado na Ucrânia, amanhã estará na Europa de leste, na Europa central e até no ocidente".

O político ucraniano não acredita que uma das chaves para a resolução do conflito resida nas negociações com Putin, "um homem que nunca cumpre com a sua palavra" e que tem "o comportamento de um maníaco", alguém "não adequado, louco, mas com um botão nuclear nas mãos".

Do mesmo modo, duvida que uma das chaves para o conflito possa residir em Moscovo e no desgaste de Putin no interior do Kremlin, junto das forças armadas e dos seus círculos próximos.

"Na Rússia não há círculos próximos, é um regime autoritário e na Rússia só há Putin", observa.

Por outro lado, Poroshenko diz não ter interesse em saber se o Presidente da Rússia tem mais ou menos apoio dentro de "casa" e manifesta o seu desapontamento, "do fundo do coração", com o povo russo: "Alguns deles estão a apoiar a morte de ucranianos, e isso torna-os também criminosos".

Em sentido contrário, dirige palavras elogiosas a Portugal, onde esteve duas vezes como Presidente, e saúda o primeiro-ministro, António Costa, e a sua recente vitória nas legislativas.

"É um grande amigo meu e da Ucrânia (...) Em muitos aspetos e iniciativas tem apoiado e protegido a Ucrânia contra Putin em oito anos de guerra. É uma posição de um real amigo que agradecemos muito", declara, enaltecendo ainda a "comunicação fantástica" com a diáspora ucraniana em Portugal e o esforço que tem desenvolvido de enviar assistência humanitária para militares e refugiados.

Antigo ministro dos Negócios Estrangeiros e do Comércio, Petro Poroshenko, nascido em Odessa há 56 anos, foi o quinto Presidente ucraniano e é atualmente deputado na oposição.

É também um dos homens mais ricos do país, tendo iniciado o seu "império" com a compra e venda de grãos de cacau, que acabariam por dar origem ao grupo Roshen, usando as letras do meio do seu nome, e que lhe valeu a alcunha de "rei dos chocolates".

Tem ainda negócios na indústria, agricultura e imobiliário, e ainda num canal de televisão, que apoiou a revolução de Maidan, mas que entretanto vendeu.

À frente do Solidariedade Europeia, cujo nome e símbolo não deixam dúvidas sobre o seu programa de integração euro-atlântica, é na sede do partido, em Kyiv, junto de algumas das principais instituições ucranianas, que mantém o seu posto de comando nestes dias de invasão russa.

Fortemente protegido por muros de betão, militares e membros das forças territoriais e ainda por uma viatura blindada anfíbia de três toneladas, o amplo edifício moderno é ainda uma base logística de apoio ao esforço de guerra.

Na liderança desta "frente" está Maryna, mulher de Petro Poroshenko, reunindo medicamentos e bens a entregar a hospitais e famílias que permanecem em Kyiv, e ao exército e forças territoriais, que podem ainda beneficiar de três refeições diárias neste local, por vezes servidas pela própria antiga primeira-dama ucraniana.

"Sabemos que vamos ganhar, reconstruir o nosso país e será melhor do que agora e parte da Europa", confia Maryna Poroshenko, recordando as ocasiões em que se avistou com Putin em eventos oficiais: "Chegava sempre atrasado, era uma falta de respeito".

É também neste local que o marido assegura estar em permanência desde a invasão russa, em 24 de fevereiro, e que não tenciona abandonar, tal como, acrescenta, nunca deixou de se manter no seu posto desde a crise nas regiões separatistas, há oito anos.

Questionado sobre os limites da resistência ucraniana, responde numa frase: "A Ucrânia e os ucranianos nunca desistem", afirma, dando conta de que todos estão unidos, incluindo os políticos, "e esta unidade também surpreendeu Putin".

[Notícia atualizada às 15h49]

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