"Eu acho imensa graça [que digam isso]. Durante mais de 40 anos fui visto como sendo pró-EUA [Estados Unidos da América], pró-Austrália e agora, de repente sou visto como pró-China, quando continuo com relações muito próximas com a Austrália, Coreia do Sul, Japão, EUA e Portugal e Europa", afirmou José Ramos-Horta, em entrevista à Lusa.
"Seria um fenómeno de que agora, com a minha eleição, Timor-Leste vai virar pró-China. Quem me conhece e conhece a situação ri-se com isso, sabem que não corresponde à verdade", acrescentou.
Os comentários sobre a suposta aproximação à China têm sido feitos recentemente por alguns analistas australianos, num momento em que a presença daquele país na região do Pacífico é crescente e em que o relacionamento entre esse país e a vizinha Austrália vive momentos de grande tensão.
O assunto tem marcado a campanha para as eleições australianas de 21 de maio e intensificou-se depois de um novo acordo de segurança entre a China e as Ilhas Salomão, que segundo vários observadores traduz uma crescente perda de influência australiana na região.
"Compreendo perfeitamente o nervosismo dos EUA e Austrália em relação à presença chinesa nas Ilhas Salomão e não só, na zona do Pacífico. Mas não há bases militares chinesas nessa zona. Cria nervosismo, mas é natural que a China, uma grande potência comercial queira garantir a segurança dos seus navios comerciais", disse.
"O importante é mecanismos de diálogo e confiança mútua para evitar essas desconfianças", advogou.
No caso de Timor-Leste, Ramos-Horta rejeitou qualquer preocupação com a atual presença chinesa no país, frisando que "agora é só comercial".
"Não há interesse de maior presença em Timor-Leste, até porque sabem que Timor-Leste está muito solidamente integrado numa zona de influência australiana, indonésia e americana. Eles sabem isso", enfatizou.
"Não me preocupo com isso e quero maior presença comercial chinesa e investimento, porque tem sido benéfica para Timor-Leste", disse.
Do outro lado da moeda, e no quadro destes posicionamentos regionais, Ramos-Horta considerou que cabe a países como o Estados Unidos, Austrália, Coreia do Sul e Japão, entre outros, "investirem mais em Timor-Leste, e investir a sério".
"Não é com 40 MUSD [milhões de dólares] ou 100 MUSD por ano", apontou.
Ramos-Horta considerou mesmo essencial "expandir as relações com os Estados Unidos e a Austrália na área de segurança aérea e marítima" porque "é impossível a Timor-Leste, sozinho, responder às necessidades de segurança marítima no mar de Timor" para parar com "pesca ilegal e delapidação dos recursos".
"É urgente um acordo de segurança marítima com a Austrália. Partilhamos uma zona económica continua, que é demasiado grande e exige meios aéreos incomportáveis para Timor-Leste", advogou.
"Devíamos entrar num acordo em que haveria uma unidade naval timorense em Darwin, com australianos, e uma unidade naval australiana na costa sul com timorense, fazendo patrulhas conjuntas, com aviões e drones", sugeriu.
Ainda neste quadro, Ramos-Horta felicitou o primeiro-ministro, Taur Matan Ruak, e o ex-comandante das forças de Defesa Lere Anan Timur "por terem chegado a acordo com os Estados Unidos para a reabilitação do aeroporto de Baucau", a segunda cidade timorense.
A reabilitação inclui a construção de um hangar e do perímetro e abrange o fornecimento de um Cessna para patrulhamento marítimo.
Em termos gerais, José Ramos-Horta quer que Timor-Leste tenha uma voz mais ativa nos palcos internacionais, usando a sua própria experiência em cenários de tensão.
"Quero ver Timor-Leste como uma voz de prudência que prefere a prevenção de conflitos, participar ativamente na mediação de conflitos, diálogo regional e internacional, não apenas como declaração de princípios, mas com possível participação ativa nos debates e nas decisões na ASEAN", defendeu.
José Ramos-Horta toma posse às 00:00 de 20 de maio.
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