Um menino, de 12 anos, que fugiu do Afeganistão depois de os talibãs terem matado os pais, sobreviveu, no passado mês de dezembro, ao naufrágio de um bote com cerca de 40 migrantes, que atravessava o Canal da Mancha para chegar ao Reino Unido.
A criança foi uma das 39 pessoas que a tribulação do barco de pesca Arcturus conseguiu salvar. Pelo menos quatro não tiveram a mesma sorte.
Em entrevista ao The Sunday Post, o comandante da embarcação, Raymond Strachan, de 54 anos, contou o que aconteceu.
"O mar estava calmo, mas havia uma névoa estranha na água. A certa altura, começamos a ver pessoas a nadar na nossa direção […]. Montamos de imediato uma escada e eles subiram. Tínhamos 16 pessoas a bordo quando perdemos de vista o bote. Estava escuro como breu, apenas ouvíamos pessoas a gritar", descreveu.
Foi então, que navegou em direção ao som e conseguiu aproximar-se do bote. Aí "foi caótico". Tentavam alcançar o barco de pesca, uns por cima dos outros.
Nesta confusão, duas pessoas acabaram por se afundar com o bote. Outras duas foram encontradas mortas no mar, muito provavelmente, devido a hipotermia.
Ainda assim, a tragédia podia ter sido pior. De acordo com o comandante, o bote insuflável, construído para navegar com 12 passageiros, trazia mais do triplo do peso indicado.
"Alguns nem colete salva-vidas tinham. O fundo do bote rasgou-se por estar sobrecarregado e começou a entrar água. A certa altura dobrou-se sobre si mesmo e afundou-se", explicou, acrescentando que houve um caso em especial que o tocou.
"Uma das pessoas mais novas [que resgataram] era um menino afegão. Ele foi dos primeiros com quem falei porque parecia mesmo muito jovem. Perguntei-lhe quantos anos tinha e ele disse-me 12. Tirei-lhe o casaco molhado e o colete salva-vidas e disse-lhe para descer [no barco de pesca] e tomar um banho quente. Queria garantir que ele estava quente, seco e seguro", contou o comandante que foi instruído a levar os sobreviventes para Dover.
Alguns dias depois, um polícia ligou-lhe com uma mensagem do menino que tinha salvado. "Ele queria agradecer terem-lhe salvado a vida porque pensou que ia morrer. Contou que tinha fugido do Afeganistão porque a sua família foi morta pelos talibãs. Fiquei muito emocionado. Não consigo imaginar o que é ter 12 anos e estar naquela água. Quando eu tinha essa idade, estava no conforto de casa, a ser cuidado pela minha família, fazia carrinhos com caixotes velhos, não estava a ser resgatado do mar", sublinhou Raymond.
"Quem sabe ele consiga estudar cá [Reino Unido], trabalhar no duro e, daqui a 15 anos, ele seja o médico que me vai salvar a vida", acrescentou o comandante.
Além do menino afegão, no dia do naufrágio, a 14 de dezembro, a tripulação do Arcturus salvou outras sete crianças.
De acordo com os migrantes salvos, cada um deles pagou 5 mil euros para fazer esta perigosa viagem. As autoridades britânicas estimam que, só no ano passado, 45 mil pessoas tenham feito a travessia.
Uma das maiores tragédias do Canal da Mancha aconteceu em novembro de 2021, quando uma pequena embarcação com dezenas de pessoas naufragou matando pelo menos 27 pessoas.
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