Da invasão "justa" à "encenação em Bucha". A entrevista de Lavrov
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia defendeu que a "operação militar especial" na Ucrânia foi a "forma justa" de Moscovo "reagir às atitudes nojentas dos neonazis" de Kyiv e sublinhou que o país não combate por territórios, mas sim pelas "pessoas, história, religião e língua russa". Sobre o massacre de Bucha, alegou que se tratou de uma "encenação cínica".
© Alexander Nemenov/AFP via Getty Images
Mundo Sergei Lavrov
O ministro dos Negócios Estrangeiros da Rússia, Sergey Lavrov, defendeu que a chamada "operação militar especial" na Ucrânia, iniciada a 24 de fevereiro de 2022, foi "um passo justo". "A operação militar especial foi um passo dado absolutamente justo", frisou, em entrevista à RTP, acrescentando que não havia "alternativas para defender a segurança" da Rússia e das "pessoas que habitavam desde há séculos naqueles territórios", às quais o regime de Kyiv "tentou privar do direito ao seu idioma, religião, cultura e valores".
"Foi a nossa forma justa de reagir às atitudes nojentas dos neonazis instalados em Kyiv com o apoio dos Estados Unidos", reiterou.
Confrontado com o facto de a população do Ocidente estar "assustada" com a Rússia e um possível conflito nuclear, Lavrov foi taxativo: "Antes de mais, têm de recear mais pelos seus próprios governos".
Na ótica do ministro russo, a União Europeia (UE) e a aliança transatlântica têm estado "alinhadas numa fileira", em que defendem que a Ucrânia "não pode perder" e que a "única saída desta situação [guerra] passa pela derrota estratégica da Rússia".
Lembrou ainda que a ex-primeira-ministra do Reino Unido, Liz Truss, defendeu que "premeria sem hesitar o botão vermelho", que o comandante da Força Aérea da Alemanha alertou para a necessidade de "estarmos prontos para uma guerra nuclear" e que o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros francês, Jean Yves le Drian, defendeu que França "também tem armas nucleares".
"São essas as alocuções que deram início à discussão pública sobre a eventualidade de uma guerra nuclear", atirou, frisando que o presidente russo, Vladimir Putin, "respondia de forma muito firme quando instado se a Rússia iria empregar armas nucleares".
Neste sentido, Lavrov alertou para a necessidade de "analisar as declarações dos líderes da UE e da NATO": "É uma retórica extremamente agressiva. Soletram que a Rússia deve sofrer uma derrota estratégica".
Acordos de Minsk? França, Alemanha e Ucrânia queriam "banhar o Donbass em sangue"
O ministro acusou ainda a França, Alemanha e Ucrânia de não terem "intenções de cumprir os acordos de Minsk", que previam um cessar-fogo e acordos de reforma constitucional entre Kyiv e as forças separatistas pró-russas na Ucrânia oriental.
"A aposta deles era ganhar tempo, rechear o regime ucraniano de armas e resolver o problema do Donbass à custa da força, banhar o Donbass em sangue", afirmou.
Lavrov considerou que os três países - que acusou de propagarem "mentiras e promessas falsas" - queriam "travar o processo de libertação da Ucrânia, levado a cabo por milícias do Donbass", com o apoio de Moscovo.
"Com certeza, iremos construir o nosso futuro sem contar com os colegas e antigos parceiros, intransigentes e mentirosos", sublinhou.
Negociações? "Sabemos que Zelensky é um ator que não tem a mínima autonomia"
Questionado sobre as negociações para um possível acordo de paz entre a Rússia e a Ucrânia, o responsável frisou que o presidente russo, Volodymyr Zelensky, "é um ator que não tem a mínima autonomia" na decisão.
"Dizem-lhe o que ele deve fazer. Traçam-lhe uma linha de conduta. Seguindo essa linha, ele improvisa consoante o estado da situação concreta em cada dia. Com certeza, não faz sentido conversar com ele", afirmou, sublinhando que a Fórmula para a Paz de Zelensky passa pela "capitulação e a punição" da Federação Russa e a "obtenção de compensações"
Administração de Joe Biden nunca se pronunciou "a favor de uma solução para a paz"
Lavrov considerou que a administração do presidente norte-americano, Joe Biden, nunca se pronunciou "a favor de uma solução para a paz" no que diz respeito à invasão da Ucrânia, assinalando que todas as ideias propostas pelos países do Sul "tinham comentários negativos" do Ocidente.
"Foi sob o pretexto de que seria precoce travar as ações de guerra. Primeiro, seria necessário que a Ucrânia melhorasse as suas posições no campo de batalha, no quadro da orientação para a derrota estratégica da Rússia, e entrasse assim em negociações em condições mais robustas do ponto de vista da sua posição no terreno", disse.
O responsável acusou ainda os parceiros da Ucrânia na União Europeia, na NATO e nos EUA de não falar em negociações, mas sim na necessidade de "derrotar a Rússia no campo de batalha".
"Então, estamos prontos a continuar a trabalhar no campo de batalha. É o que faremos. Sabemos em prol do que estamos a combater. Combatemos para eliminar as ameaças militares imediatas à nossa segurança que o Ocidente, apesar dos juramentos, está a criar já nas nossas fronteiras, envolvendo a Ucrânia nas suas jogadas", atirou.
E prosseguiu: "Combatemos igualmente para não admitir o extermínio das pessoas que habitam o Donbass e o sudoeste da Ucrânia, em geral. Pessoas que, por leis aprovadas pelo regime nazi de Kyiv, são forçadamente privadas do direito à identidade, inclusive o idioma, à religião, à educação, ao acesso aos meios de comunicação, a praticamente todos os direitos relacionados com o uso da língua materna, à língua dos seus ancestrais, que habitaram desde há séculos aqueles territórios, onde Zelensky pretende agora organizar um genocídio."
"Ocidente olha de forma leviana para a russofobia"
Lembrando que as maiores cidades da Ucrânia foram fundadas por governantes da Rússia, Lavrov acusou o Ocidente de "olhar de forma leviana para a russofobia".
"O Ocidente olha de forma leviana para a russofobia, para a campanha de proibição e descriminação de tudo o que há de russo, para ações racistas que cheiram a nazismo", frisou.
"Paralelamente ao extermínio de tudo o que há de russo na Ucrânia, está a prosperar o nazismo", acrescentou, sublinhando que "grande maioria dos combatentes de batalhões nacionalistas" têm tatuagens e bandeira nazis, mas o "Ocidente fica calado".
"Convinha prosseguir com a guerra para enfraquecer ainda mais a Rússia"
O responsável lembrou que decorreram negociações entre delegações ucranianas e russas para um cessar-fogo, em março de 2022, mas o Ocidente proibiu Volodymyr Zelensky de aceitar qualquer acordo.
"Foi entendido que, uma vez que os russos estavam prontos para assinar o acordo, convinha prosseguir com a guerra para enfraquecer ainda mais a Rússia, extorquindo dela acordos com cedências maiores que fossem convenientes para a Ucrânia", acusou.
"Não combatemos por causa dos territórios, combatemos pelas pessoas"
Questionado sobre se um acordo de paz poderia passar pela cedência de territórios à Rússia, Lavrov defendeu: "Não combatemos por causa dos territórios, combatemos pelas pessoas, pela nossa história, pela nossa religião, pela língua russa".
"Alguém poderia imaginar a Suíça um dia proibir o alemão ou o francês? Ou a Irlanda proibir o inglês? Ou a Bélgica o flamengo?", exemplificou. "Nem é possível imaginar".
"Não se trata, portanto, dos territórios. Trata-se que Zelensky cumpre a ordem para eliminar quaisquer manifestações da civilização russa no território do país onde os seus antecessores, igualmente neonazis radicais, foram autorizados a levar a cabo o golpe de Estado", disse, referindo-se à Revolução Ucraniana, de 2014, que levou à deposição do então presidente pró-russo Viktor Yanukovytch.
Futuro do Grupo Wagner "depende dos governos" com quem trabalha
Lavrov afirmou que o futuro do Grupo Wagner, que na semana passada levou a cabo uma rebelião falhada contra o Ministério da Defesa russo, "depende dos governos" com quem a empresa paramilitar assinou contratos.
"O estado russo mantém as suas próprias relações com muitos estados de África no âmbito da cooperação militar e técnica. As condições em que os governos de países africanos firmaram acordos de cooperação com o Grupo Wagner não são da nossa competência", frisou.
"Guerra do Ocidente contra a Federação Russa"
O ministro russo afirmou que está em curso uma "guerra do Ocidente contra a Federação Russa, com o aproveitamento da Ucrânia como material dispensável, cujos soldados recebem injeções de drogas para não sentirem dor antes de serem puxados como gado para a linha da frente".
"Os ucranianos, as suas forças armadas, o batalhão nacionalista em especial, desde o início da crise em 2014, chegaram a bombardear o Donbass com armamento pesado, com o uso da força aérea. Todos sabiam que eles estavam a aproveitar instalações civis para transferir armamento pesado", disse, acrescentando que a "prática passou a praticar-se ainda mais desde o início da operação militar especial", em "cidades, creches e escolas".
Lavrov lamentou que o Ocidente se tenha "esquecido" de imagens que mostram soldados russos a serem executados e de outros alegados crimes de guerra cometidos pelas tropas ucranianas.
Afirmou ainda que o massacre de Bucha, em abril do ano passado, em que vários civis foram encontrados mortos na rua e em valas comuns após a retirada das tropas russas, "é uma das encenações mais cínicas que bem conhecemos".
"As câmaras captaram aquelas imagens de cadáveres deitados numa rua central da cidade. Já não falo disto. É uma das encenações mais cínicas que bem conhecemos", atirou, acrescentando que Moscovo pediu "uma lista das pessoas que foram mortas", mas, um ano depois, tal não foi entregue.
Sublinhe-se que o conflito entre a Ucrânia e a Rússia começou com o objetivo, segundo Vladimir Putin, de "desnazificar" e desmilitarizar a Ucrânia para segurança da Rússia. A operação foi condenada pela generalidade da comunidade internacional.
A ONU confirmou que mais de nove mil civis morreram e cerca de 16 mil ficaram feridos na guerra, sublinhando que os números reais serão muito superiores e só poderão ser conhecidos quando houver acesso a zonas cercadas ou sob intensos combates.
[Notícia atualizada às 23h05]
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