Em conferência de imprensa, a Comissão dos Direitos Humanos das Nações Unidas no Sudão do Sul apresentou um relatório sobre a situação dos meios de comunicação social do Sudão do Sul e dos intervenientes da sociedade civil dentro e fora do país.
O documento, intitulado "Repressão enraizada: a redução sistémica do espaço democrático e cívico no Sudão do Sul", fala de "um regime generalizado de censura estatal, restrições intoleráveis às atividades cívicas e políticas e ataques contínuos a jornalistas e defensores dos direitos humanos".
"É uma trágica ironia que, num Sudão do Sul independente, sejam os libertadores, agora no Governo, que sejam intolerantes ao escrutínio público, à discussão de pontos de vista críticos e à oposição política", disse o comissário Barney Afako.
Afako sublinhou que "abandonar estas práticas iliberais e autocráticas será essencial para que os sul-sudaneses realizem as aspirações de liberdade que alimentaram a sua busca pela independência".
O relatório expõe como o Serviço de Segurança Nacional (NSS) impõe a censura estatal nas redações e interfere nas atividades de grupos da sociedade civil.
"Os seus funcionários são destacados para as redações para rever o conteúdo e editar histórias consideradas críticas ou inconvenientes para o Governo, incluindo a cobertura de questões políticas e de direitos humanos", observou a Comissão num comunicado, enfatizando que "os meios de comunicação independentes online são alvos comuns de ataques cibernéticos e bloqueios.
O NSS também exige que os grupos da sociedade civil solicitem autorização prévia para as suas atividades, que são monitorizadas para evitar a discussão de temas desconfortáveis para as autoridades.
"As pessoas que não seguem estas regras arbitrárias e ilegais são frequentemente sujeitas a vigilância, intimidação e violações dos direitos humanos, incluindo detenções arbitrárias", destaca-se no documento.
A referida agência de segurança também realiza "extensas operações extraterritoriais" do NSS em outros países, incluindo "entregas ilegais" do vizinho Quénia.
A este respeito, o comissário espanhol Carlos Castresana Fernández, advogado e procurador do Tribunal de Contas espanhol, citou o caso do ativista sul-sudanês Morris Mabior, "sequestrado em Nairobi [capital do Quénia]" em fevereiro alegadamente por agentes da polícia queniana e levado para o seu país num "desaparecimento forçado".
O relatório aborda a resistência do Estado à democratização como um legado de décadas de partidarismo no movimento de libertação que reflete "um profundo sentimento de direito entre a classe dominante de capturar os despojos da independência" alcançada em 2011.
Além disso, "a vontade de usar a coerção e a violência para perseguir objetivos políticos alimentou graves violações dos direitos humanos e devastou o país".
O Acordo de Paz assinado em 2018 entre o Governo e a oposição, que se seguiu à guerra civil que eclodiu em 2013, proporcionou um quadro para resolver estes problemas.
"Mas estes compromissos ainda não foram implementados", alertou a Comissão.
Sobre as eleições de 2024, altura em que deverá terminar o período de transição, Afako admitiu que "muitas pessoas estão pessimistas porque resta pouco tempo para preparar as eleições" e "o clima de repressão prejudica esses preparativos".
A Comissão de Direitos Humanos do Sudão do Sul é um órgão independente mandatado pelo Conselho de Direitos Humanos das Nações Unidas e é composto por três comissários especialistas não pertencentes ao pessoal da ONU.
Criada em 2016, a Comissão tem sido renovada anualmente desde então e é apoiada por um secretariado em Juba, capital do Sudão do Sul.
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