Irão. Raisi "deveria ter sido investigado por crimes contra a humanidade"
A Amnistia Internacional (AI) defendeu hoje o direito "à justiça e reparação" das famílias vítimas de "crimes contra a humanidade de assassínio, desaparecimento forçado e tortura" a mando do falecido Presidente iraniano, Ebrahim Raisi, e do regime de Teerão.
© Sakineh Salimi/Borna News/Aksonline ATPImages/Getty Images
Mundo Amnistia Internacional
Em causa, afirma a organização em comunicado, está "o conjunto de crimes à luz do direito internacional e as violações dos direitos humanos" cometidos desde a década de 1980 e durante o mandato" de Raisi, que morreu no desastre de helicóptero domingo.
"Enquanto foi vivo, Ebrahim Raisi deveria ter sido investigado criminalmente pelos crimes contra a humanidade de assassínio, desaparecimento forçado e tortura. A sua morte não deve privar as vítimas e as suas famílias do direito à verdade, nem fazer com que todos os outros cúmplices dos seus crimes não sejam responsabilizados", afirmou Diana Eltahawy, diretora regional adjunta da AI para o Médio Oriente e Norte de África.
"Durante décadas, os perpetradores com responsabilidade criminal usufruíram da impunidade sistemática, que ainda se mantém no Irão. A comunidade internacional tem de agir agora para estabelecer vias de responsabilização para as vítimas de crimes ao abrigo do direito internacional e de outras violações graves dos direitos humanos cometidas por Ebrahim Raisi e outros funcionários iranianos", alertou Eltahawy.
Segundo a AI, nos últimos 44 anos Raisi esteve diretamente envolvido ou supervisionou o desaparecimento forçado e as execuções extrajudiciais de milhares de dissidentes políticos na década de 1980, na morte intencional, na detenção arbitrária, no desaparecimento forçado e na tortura de milhares de manifestantes e ainda na perseguição violenta a mulheres e raparigas que desafiavam o uso obrigatório do véu, entre outras violações graves dos direitos humanos.
A organização de defesa e promoção dos direitos humanos lembra que, em 1988, Raisi foi membro da "comissão de morte", que esteve na origem do desaparecimento forçado e das execuções extrajudiciais de vários milhares de dissidentes políticos nas prisões de Evin, em Teerão, e de Gohardasht, na província de Alborz.
"Desde então, a verdade, justiça e reparação têm sido cruelmente negadas aos sobreviventes e às famílias das vítimas durante décadas. Muitos são perseguidos por procurarem obter esclarecimentos e reparações. Em maio de 2018, Ebrahim Raisi defendeu publicamente os assassínios em massa, descrevendo-os como 'uma das realizações de que o sistema [da República Islâmica] se orgulha'", salienta a AI.
A AI denunciou também que, ao longo das décadas em que Raisi ocupou vários cargos judiciais -- incluindo o de chefe do poder judicial (2019 a 2021) -- "foi um dos principais impulsionadores das violações dos direitos humanos e dos crimes ao abrigo do direito internacional".
"Submeteu dezenas de milhares de pessoas a prisões e detenções arbitrárias, desaparecimentos forçados, tortura e outros maus-tratos, julgamentos extremamente injustos e punições que violam a proibição da tortura e de outros maus-tratos, como a flagelação, a amputação e o apedrejamento", acrescenta a AI.
De setembro a dezembro de 2022, já como chefe de Estado do Irão e presidente do Conselho Supremo de Segurança Nacional, na revolta "Mulher, Vida, Liberdade", Raisi elogiou e orientou a violenta repressão das forças de segurança contra os protestos em todo o país.
"Este modo de atuação levou à morte de centenas de manifestantes e transeuntes, a milhares de feridos, e a práticas de tortura e outros maus-tratos -- como violação e outras formas de violência sexual -- contra manifestantes detidos", sublinha a AI.
A Amnistia Internacional acusa também Raisi, que chegou a Presidente em 2021, de apelar a um maior recurso à pena de morte numa nova "guerra contra a droga". Desde então, prossegue a AI, as execuções aumentaram de forma abrupta, culminando na execução de pelo menos 853 pessoas em 2023, um aumento de 172% em relação a 2021.
Em 2022, Raisi promoveu uma aplicação mais rigorosa das leis sobre o uso obrigatório do véu, o que teve um impacto severo sobre as mulheres e, em setembro desse ano, a jovem Mahsa Amini morreu sob custódia, três dias depois de ter sido violentamente detida pela polícia da "moralidade" do Irão.
"Desde a revolta, as autoridades iranianas [...] têm perseguido mulheres e raparigas numa violenta campanha de opressão para fazer cumprir as leis discriminatórias do Irão sobre o uso obrigatório do véu", acrescenta a AI no comunicado, de três páginas.
"O legado de Ebrahim Raisi serve para recordar a crise de impunidade no Irão, onde os suspeitos de crimes ao abrigo do direito internacional não só escapam à responsabilidade, como são recompensados com elogios e cargos de alto nível na máquina de repressão da República Islâmica, que, sem reformas constitucionais, legislativas e administrativas essenciais, está destinada a continuar", disse Eltahawy.
A diretora regional adjunta para o Médio Oriente e Norte de África exigiu "investigações criminais contra funcionários iranianos suspeitos de crimes ao abrigo do direito internacional, de acordo com o princípio da jurisdição universal, para garantir que os sobreviventes e as famílias das vítimas possam ver os perpetradores ser julgados e responsabilizados pelos seus crimes".
Segundo os meios de comunicação social e as autoridades iranianas, Ebrahim Raisi morreu a 19 deste mês, quando o helicóptero em que viajava se despenhou na região de Varzeghan, na província do Azerbaijão Oriental, no Irão.
Todas as pessoas a bordo do helicóptero morreram, incluindo o ministro dos Negócios Estrangeiros, Hossein Amirabdollahian, os pilotos e a tripulação.
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