Nos Estados Unidos, existe a tradição de os meios de comunicação social apoiarem explicitamente um candidato presidencial.
No entanto, o chefe de redação do Post, William Lewis, anunciou na sexta-feira que o jornal decidiu manter-se imparcial e não apoiar nem Harris nem o seu rival republicano, o antigo presidente Donald Trump, o que levou a duas demissões e a apelos ao cancelamento das assinaturas do jornal.
Dois jornalistas revelaram, num artigo publicado no mesmo jornal, que o conselho editorial do Post já tinha redigido o seu artigo de apoio à candidata democrata, mas foi Jeff Bezos quem ordenou que a publicação do artigo fosse interrompida.
É a primeira vez em décadas que o jornal da capital norte-americana não apoia o candidato presidencial democrata.
O jornal, que tem tido uma linha editorial muito dura com Trump, apoiou Hillary Clinton em 2016 e Joe Biden em 2020, ambos adversários do magnata republicano.
William Lewis, no cargo desde janeiro passado, negou que Bezos, fundador da Amazon e proprietário do Post desde 2013, tivesse influência na nova postura do jornal.
Segundo Lewis, o objetivo do jornal é transmitir uma imagem de maior independência e regressar às suas origens, quando o Post não apoiava candidatos.
O primeiro candidato presidencial a ser apoiado pelo Post foi o democrata Jimmy Carter, em 1976, na sequência do escândalo Watergate revelado pelo jornal.
Desde então, o jornal tem apoiado regularmente os candidatos às presidenciais norte-americanas, com exceção da campanha de 1988.
Durante anos, o Post investigou irregularidades e controvérsias que envolviam Trump e a sua comitiva, e criticou fortemente a retórica do republicano e a sua recusa em aceitar a derrota eleitoral em 2020.
Durante o mandato de Trump, a Amazon perdeu um contrato multimilionário com o Pentágono e processou Trump por ter usado "pressão indevida" para prejudicar Bezos.
Os críticos da decisão do jornal acreditam que o multimilionário pretende evitar confrontos com um possível segundo mandato de Trump.
O primeiro membro do Post a demitir-se devido à decisão foi o editor Robert Kagan, que classificou a mudança de posição como uma "capitulação prematura" a Trump.
A colunista Michele Norris também anunciou a sua demissão, considerando a mudança um "erro terrível" e um "insulto aos padrões do jornal".
Dezoito outros colunistas assinaram uma coluna manifestando o seu desacordo com o anúncio que "representa um abandono das convicções do jornal".
O prestigiado jornalista Marty Baron, que dirigia o Post quando Trump estava na Casa Branca, também reagiu com indignação, dizendo que se tratava de "um ato de cobardia cuja vítima será a democracia".
"Donald Trump verá isto como um convite para intimidar ainda mais o proprietário, Jeff Bezos, e outros. A falta de caráter de uma instituição famosa pela sua coragem é preocupante", afirmou.
A insatisfação chegou também aos leitores, alguns dos quais cancelaram as suas assinaturas.
A jornalista Caroline Kitchener revelou que a sua mãe, tal como muitos outros assinantes, decidiu cancelar a assinatura do jornal, uma medida que a jornalista compreende mas que lhe pediu para reconsiderar.
"Nós, repórteres do Post, não participámos nesta decisão, mas quando se cancela a assinatura, está-se a prejudicar a nós, não ao proprietário", disse.
Na mesma linha, David Maraniss, um editor experiente do jornal, disse que a última sexta-feira foi o "dia mais negro" da sua carreira.
Uma polémica semelhante atingiu o Los Angeles Times, onde a chefe do conselho editorial, Mariel Garza, se demitiu em protesto após o proprietário do jornal, Patrick Soon-Shiong, ter bloqueado o apoio do jornal a Harris.
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