Num artigo publicado no Council on Foreign Relations (um grupo de reflexão com sede em Nova Iorque), Nicholas Carl, investigador no Projeto de Ameaças Críticas do American Enterprise Institute (AEI), onde se especializou na República Islâmica do Irão, salienta que o fim do regime do clã al-Assad na Síria põe termo à intenção de Teerão em projetar forças para oeste e a transportar material para aliados em torno da periferia israelita.
Para Nicholas Carl, licenciado em Ciências Políticas pelo John Fisher College em Rochester, Nova Iorque, a súbita queda do poder de Bashar al-Assad priva Teerão do seu principal ponto de entrada no Levante e põe em causa os principais pressupostos e ideias que há muito sustentam a estratégia iraniana no Médio Oriente.
"Esta derrota ocorre numa altura em que os outros principais pilares da influência iraniana no Levante -- Hamas, na Faixa de Gaza, e Hezbollah, no Líbano -- estão seriamente enfraquecidos após meses de luta contra as Forças de Defesa de Israel (FDI). Esta dinâmica equivale ao colapso da frente ocidental do Eixo da Resistência", afirma Nicholas Carl.
Para o investigador, a queda de al-Assad vem, assim, "inverter os ganhos obtidos com a política iraniana em relação à Síria desde 2011".
"O Irão interveio no início da guerra civil síria para manter al-Assad no poder, alargar o acesso terrestre ao Hezbollah e evitar que o conflito pusesse em causa as redes do Eixo da Resistência no Iraque e no Líbano", sublinha o analista norte-americano.
Mais a mais, o major-general iraniano Qassem Soleimani, figura influente do regime de Teerão e que foi morto pelos Estados Unidos em janeiro de 2020 em Bagdad (Iraque), tinha organizado uma coligação militar com outros pilares do chamado Eixo da Resistência (como o Hamas ou o Hezbollah) para combater o chamado "Estado Islâmico" e a oposição síria, que comandou durante as fases mais sangrentas do conflito e que, mais tarde, viria a supervisionar o entrincheiramento das forças iranianas e das forças apoiadas pelo Irão na Síria a níveis sem precedentes.
Esta presença militar, que durou até à queda de al-Assad, prossegue o investigador norte-americano, permitiu ao Corpo de Guardas da Revolução Islâmica (IRGC) "atuar livremente em grande parte do país e transportar armas para o Líbano e a Cisjordânia através da Jordânia".
O IRGC também tentou deslocar forças para perto dos Montes Golã, controlados por Israel, e instalar sistemas de defesa aérea e capacidades de ataque em toda a Síria, a fim de se defender e ameaçar Israel, acrescenta Nicholas Carl.
Nesse sentido, a queda de al-Assad "priva o Irão destes benefícios militares e estratégicos" e "prejudica gravemente os futuros esforços iranianos para reconstruir o Hamas e o Hezbollah".
"Os grupos da oposição que estão a consolidar o poder na Síria são hostis ao Irão, especialmente tendo em conta o papel histórico de Teerão no apoio a al-Assad e à sua brutalidade. O Irão poderá encontrar-se em termos abertamente adversos com o futuro governo sírio, dependendo dos grupos específicos que ganharem o controlo. Além disso, a expulsão da influência iraniana da Síria tornará extremamente difícil para o IRGC transferir os recursos necessários para ajudar o Hamas e o Hezbollah a recuperarem rapidamente em escala", sustenta.
O colapso da frente do Levante do Eixo da Resistência ocorre numa altura em que o próprio Irão está cada vez mais vulnerável, defende também Nicholas Carl, que refere que os ataques aéreos que as FDI realizaram no Irão, em outubro de 2024, interromperam a capacidade iraniana de produzir mísseis balísticos de propulsão sólida e neutralizaram os meios de defesa aérea iranianos mais avançados - os 'S-300' de origem russa.
Por outro lado, as autoridades iranianas enfrentam separadamente uma crise de segurança interna cada vez mais grave, "embora as discussões sobre uma possível revolução ou o derrube do regime sejam prematuras".
"Nos últimos anos, uma grande parte da população iraniana tem saído à rua para protestar contra a República Islâmica e apelar a uma mudança revolucionária. Os protestos tornaram-se mais coordenados e violentos, especialmente a partir de 2022, e aumentaram a capacidade do regime para os controlar, pois não mostram indícios de se transformarem numa insurreição. Mas impõem custos e pressões adicionais ao regime que comprometem a sua capacidade de responder como gostaria aos desafios externos", argumenta o analista norte-americano.
Além disso, segundo Nicholas Carl, o regime perdeu muitos dos principais líderes com quem contava para gerir esta miríade de crises externas e internas.
Nos últimos meses, as FDI mataram vários oficiais influentes do IRGC, que mereciam a confiança do líder supremo iraniano, em ataques aéreos em Damasco e Beirute, tendo também assassinado Ismail Haniyeh (líder político do movimento palestiniano Hamas), Yahya Sinouar (líder do Hamas) e Hassan Nasrallah (líder histórico do Hezbollah).
"Não é claro como os líderes iranianos responderão a estes desafios a longo prazo, mas é provável que, a curto prazo, deem prioridade à deslocação do centro de gravidade do Eixo da Resistência para leste, para o Iraque e o Iémen. O Irão está mais dependente do que nunca da capacidade dos seus representantes e parceiros para dissuadir os Estados Unidos e Israel", sustenta o investigador.
"E é provável que o Irão passe os próximos meses e anos a tentar aprofundar o seu controlo sobre estes grupos e a equipá-los com capacidades de ataque cada vez mais avançadas. É ainda provável que o Irão explore formas de impedir os esforços para desalojar os seus representantes e parceiros do Iraque e do Iémen", frisa.
Por isso, defende Nicholas Carl, os Estados Unidos devem agora "explorar a atual vulnerabilidade e fraqueza do Irão para fazer recuar o Eixo da Resistência no Iraque e no Iémen", que incluiria o aumento do apoio aos líderes iraquianos que desejam ver o seu país independente da influência e subversão iranianas, em vez de os abandonar.
"A cedência do Iraque e do Iémen daria ao Irão e ao seu Eixo da Resistência o espaço e o tempo necessários para recuperar. Teerão e os seus aliados podem estar em baixo, mas estão tão empenhados como antes em alcançar a hegemonia regional, destruir o Estado israelita e expulsar a influência norte-americana da região. E é por isso que os Estados Unidos e os seus aliados e parceiros na região devem capitalizar a dinâmica positiva criada pela queda de al-Assad", conclui.
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