Os cálculos da organização Oxfam Internacional constam do relatório "Fifty Years of Broken Promises" (Cinquenta anos de promessas falhadas, em tradução livre), publicado para marcar o 50.º aniversário do compromisso internacional sobre a ajuda pública ao desenvolvimento, assinalado no sábado.
O documento analisa o impacto das contribuições internacionais na melhoria do bem-estar das populações dos países de baixo e médio rendimento e destaca que as promessas não cumpridas dos doadores de atribuir a estes países 0,7% do seu Rendimento Nacional Bruto (RNB) "têm limitado o potencial da ajuda para reduzir a pobreza e a desigualdade".
Em 2019, as nações mais ricas gastaram apenas 0,3% do seu RNB em ajuda internacional e apenas cinco países - Luxemburgo, Noruega, Suécia, Dinamarca, e Reino Unido - atingiram ou ultrapassaram a meta de 0,7%.
A Ajuda Pública ao Desenvolvimento (APD) de Portugal caiu 5,4% nesse ano relativamente a 2018, a segunda maior quebra entre 11 países, situando-se nos 373 milhões de dólares (cerca de 350 milhões de euros), valor que representa apenas 0,16% do Rendimento Nacional Bruto.
A Oxfam calcula, por isso, que os países mais ricos "têm uma dívida de 5,7 biliões de dólares (4,8 biliões de euros) para com as pessoas mais pobres do mundo", um valor "nove vezes maior do que o 'stock' de dívida externa dos países da África Subsaariana no final de 2019.
"A ajuda internacional é um instrumento crítico na luta contra a pobreza e a desigualdade, mas a maioria dos governos ricos tem vindo a faltar sistematicamente aos seus compromissos de ajuda há décadas", afirmou José María Vera, diretor-executivo interino da Oxfam International.
"Esta dívida é paga pelos 260 milhões de crianças que estão fora da escola, pela metade da humanidade que não tem acesso a serviços de saúde essenciais e pelos dois mil milhões de pessoas que não têm o suficiente para comer", acrescentou.
A organização alertou que a crise económica provocada pela pandemia de covid-19 irá aumentar a necessidade de ajuda, mas deverá resultar também numa redução das doações por parte dos países ricos, tornando a mobilização de recursos financeiros pelos países pobres "muito mais difícil".
A pandemia poderá empurrar mais 200 a 500 milhões de pessoas para a pobreza, estima a Oxfam, assinalando que apenas 28% dos 10,19 mil milhões de dólares (cerca de 8,6 mil milhões de euros) que as Nações Unidas pediram para ajudar os países pobres a enfrentar a crise foram conseguidos até à data.
"A pandemia do coronavírus significa que a ajuda internacional nunca foi tão importante ou esteve mais em risco", assinalou Vera.
O relatório destaca, por outro lado, "papel crucial" da ajuda internacional no combate à pobreza e às desigualdades nos últimos 50 anos, nomeadamente nas áreas da saúde e da educação.
De acordo com os dados recolhidos pela Oxfam, os programas de saúde apoiados pelo Fundo Global de Luta contra a SIDA, Tuberculose e Malária salvaram mais de 27 milhões de vidas desde 2000, enquanto a Iniciativa Global para a Erradicação da Poliomielite tem mobilizado fundos para vacinar milhões de crianças, tendo contribuído para salvar 18 milhões de crianças da paralisia e erradicando a doença em muitas partes do mundo.
Na educação, 34 milhões de crianças tiveram a oportunidade de ir à escola em resultado do pacote de ajuda acordado no Fórum Mundial de Educação de Dacar de 2000, enquanto o Fundo de Educação da Sociedade Civil apoiou iniciativas em 60 países para defender melhores políticas e mais recursos para a educação.
A ajuda internacional financia ainda todos os programas de proteção social em sete países da África subsaariana.
O relatório salienta também que uma proporção significativa da ajuda não cumpre as normas internacionalmente reconhecidas em matéria de eficácia, sendo frequentemente utilizada para apoiar os interesses nacionais ou comerciais dos países doadores.
Em 2016, os doadores atribuíram 51% dos contratos de ajuda que reportam à OCDE às suas próprias empresas nacionais e apenas 7% aos fornecedores dos países de rendimento baixo e médio, refere-se no documento.
A Oxfam aponta, em termos comparativos, que a riqueza do homem mais rico do mundo (185,6 mil milhões de dólares em outubro de 2020) é maior do que a soma de todos os orçamentos de ajuda internacional (152,8 mil milhões de dólares em 2019).
Segundo as contas da Oxfam, se os países ricos cumprissem os seus compromissos haveria 4,8 biliões de dólares (cerca de 4 biliões de euros) adicionais necessários entre 2019-2030 para cumprir os 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável das Nações Unidas nos 59 países de mais baixo rendimento do mundo.
"Num mundo onde um homem, Jeff Bezos (presidente da Amazon), vale mais do que a soma de todos os orçamentos de ajuda internacional, não há dúvida de que os governos podem e devem fazer mais para cumprir as suas promessas de ajuda", sustentou José María Vera.