O politólogo José Adelino Maltez comentou esta segunda-feira os resultados eleitorais que deram uma vitória à tangente à Aliança Democrática (AD) de Luís Montenegro, dizendo que é preciso "ler os resultados e tirar as consequências" do sufrágio.
"As consequências são (em termos de maioria relativa, até agora): a AD tem uma vitória, embora fique com tantos deputados - conforme as previsões e os resultados até agora - quanto o PS", começou por referir José Adelino Maltez, em entrevista ao Notícias ao Minuto, salientando que, neste ato eleitoral, "atingimos um grau de competitividade interessante na democracia portuguesa".
"Governar passa a ser um risco permanente e quotidiano. As coisas saem melhor para quem vive no fio da navalha. Viver no fio da navalha implica que o organizador do Governo tenha de escolher pessoas que tenham este sentido de risco", esclareceu Maltez.
Para o politólogo, esta eleição "vai ser completamente diferente do que foi nos últimos dois anos do Governo de [António] Costa", que foram de "grande conformismo" e "alguma incompetência".
Nesse sentido, os portugueses esperam "um governo mais competente, capaz de ir para a conquista da confiança, das pessoas e do eleitorado".
"Discurso bem mais solto" de Pedro Nuno podia levar à "vitória do PS"
No que diz respeito ao líder daquele que passará, tudo indica, a principal partido da oposição, José Adelino Maltez considerou que, finalmente, "Pedro Nuno Santos se libertou da tutela de Costa", tendo feito "um discurso bem mais solto", que está "mais de acordo com a respectiva personalidade".
"Se o tem feito desde o início da campanha, se calhar estávamos a comentar a vitória do PS", salientou o académico.
Chega com grande representação? "Resultados não são doença"
No que diz respeito à terceira força política em Portugal, o Chega, que conquistou mais de um milhão de votos, Maltez assegurou que estes "não são uma doença".
"A maior parte das democracias da Europa tem estes resultados e geram governos, procuram a consorciação, e necessariamente a coligação. Governos consorciativos [são] governos que são obrigados a construir", afirmou, enfatizando, no entanto, que no que respeita ao "sentido pluralista da democracia" o país está "confortavelmente" com "70% dos eleitores".
"No essencial, há uma linha comunitária profunda e uma vitória da democracia. Vamos comemorar o 25 de Abril sem ser com os 'tipos' que diziam que o Abril é deles. Não, o Abril é de todos", destacou ainda, firmando que os "valores existenciais, fundamentais, de europeísmo, atlantismo e integração da aliança ocidental" estão garantidos.
O Chega obteve uma das suas grandes vitórias, conseguindo quadruplicar o número de deputados eleitos face às últimas legislativas em praticamente todo o país e ilhas e ultrapassar um milhão de votos, o que "revela um caminho" do partido "para ser um dos polos de atração neste processo".
Ainda assim, André Ventura terá "um desafio difícil" pela frente.
"Até aqui só o vimos como o partido de um homem só. [Agora] tem de mostrar se tem ou não mais valor. A virtude da democracia é que temos de andar sempre a vigiá-los. Eles não podem andar à solta, têm de responder no eleitorado. Ninguém está absoluto e isso vai obrigá-los a serem acompanhados pelo 'Zé eleitor' que escolhe e que os pode deitar fora a curto prazo", afiançou.
Esquerda vs. Direita? "Pessoas votaram livremente no risco"
"O chamado preconceito de Esquerda é igualzinho ao fantasma de Direita. As pessoas votaram livremente no risco. É um orgulho fazer parte desta comunidade de pessoas que vão silenciosamente, e em segredo, escolher. Isto foi conseguido", afirmou José Adelino Maltez.
Nesse sentido, asseverou que o ato eleitoral foi "uma grande vitória de Abril, um outro Abril".
"Não é necessariamente o Abril da Revolução. A Revolução acabou há muito tempo. O que temos é: cada um escolhe. Podemos comemorar Abril com uma sucessão de alternativas, alternâncias e de mudanças, porque a mudança é a principal virtude da democracia", enfatizou.
Governo de Montenegro duradouro? "Pode cair a qualquer momento"
Quanto à duração do Governo, o politólogo disse que "os governos, quando pensam que estão seguros por muitos anos, desleixam-se". Por isso, neste cenário em que se encontra, a AD "está sempre em risco" e "pode cair a qualquer momento".
Europeias? "Não houve nenhum sobressalto de sobrevivência"
Portugal enfrentará um novo sufrágio este ano - as Eleições Europeias, em junho - o que "coloca Portugal no mapa da Europa".
"Portugal tem prestígio nestes contextos e não é para as pessoas estarem preocupadas. Não há dramatismo. Não houve nenhum sobressalto de sobrevivência", salientou.
"A democracia transformou-se uma coisa tão natural como o ar que se respira. O Chega tem 18%, o regime não está em causa por causa disso. Antes pelo contrário, porque vão integrar faixas sociológicas que até aqui não eram apresentadas. Isso enriquece a democracia", considerou o catedrático.
AD diz 'não' ao Chega e PS descarta 'gerigonça' com a Esquerda
Ambos os cenários eram, para o politólogo, "expectáveis", uma vez que, existindo qualquer um dos dois, seriam "acordos artificiais".
"Montenegro negociar um programa de políticas públicas com o Chega era muito complicado. O Pedro Nuno Santos com o BE e o PCP era complicadíssimo. Eles apresentaram conscientemente os seus programas, são diferentes uns dos outros. Há espaços de convergência e espaços de divergência", considerou.
No entanto, numa comparação ao futebol, José Adelino Maltez considerou que os portugueses não se podem habituar "a dividir isto entre o Benfica e o Sporting", porque também há "o FC Porto".
"Mesmo no futebol há três equipas com capacidade de ganhar o campeonato. É melhor ter mais do que duas. Agora quanto ao futuro, não sabemos", afirma.
Marcelo Rebelo de Sousa é "média de 18 e, às vezes, não gostamos muito"
Numa nova alusão, desta vez como se se tratasse de "um concurso de personalidades políticas", o politólogo sustentou que "os concorrentes a estas eleições são pessoas de média de 14, não são pessoas de média de 18, à exceção de um ou outro".
Contudo, "as democracias têm de ser governadas por homens comuns e não necessariamente por homens de génio".
"Temos de nos habituar a personalidades deste género. Para Presidente da República temos lá um 'tipo' média de 18 e, às vezes, não gostamos muito", atestou, por fim, Maltez.
De recordar que, de acordo com os dados mais recentes disponibilizados pela Secretaria-Geral do Ministério da Administração Interna (MAI), a Aliança Democrática venceu a corrida eleitoral com 29,49% dos votos e 79 mandatos.
O Partido Socialista conseguiu 1.757.879 dos votos (28,66%), o que resulta, até agora, em 76 assentos parlamentares. E, no terceiro lugar do pódio, está o Chega - que reforça a sua posição como terceira força política, conseguindo eleger 48 deputados – e ultrapassando um milhão de votos.
Leia Também: AD "de palavra" sem Chega e PS a "liderar oposição". O filme das eleições