Num almoço/debate do International Club of Portugal, em Lisboa, o deputado e ex-ministro da Justiça foi questionado se estaria disponível para assumir o desafio de liderar a bancada do PSD, depois de o presidente eleito Rui Rio ter garantido a continuidade do atual presidente do grupo parlamentar, Hugo Soares, até ao Congresso.
"Deixe-me dividir a reposta em duas partes: sou deputado há nove anos, se eu não estivesse preparado para ser líder parlamentar com nove anos de deputado, tenho a certeza que me passariam um atestado de imbecilidade", afirmou.
Dizendo ter dúvidas que este cenário esteja na ordem do dia, Fernando Negrão acrescentou: "O que está na ordem do dia é que eventualmente será mudada a direção do grupo parlamentar, pode até nem ser mudada, é uma decisão que cabe ao novo presidente do PSD no próximo congresso".
Num almoço que teve por tema 'Convive bem a política com a ética?', na assistência não estavam quaisquer deputados, sendo as figuras políticas mais destacadas a ex-presidente do PS Maria de Belém, o antigo secretário de Estada Cultura Jorge Barreto Xavier e o líder da Juventude Popular, Francisco Rodrigues dos Santos.
Questionado no final da sua intervenção como vê um hipotético caso de pedidos de bilhetes para o futebol por um político - sem nunca referir o nome do ministro das Finanças Mário Centeno -, Fernando Negrão classificou este caso no âmbito dos "jeitinhos", em que alguém "até tem dinheiro para comprar o bilhete", mas se o receber à borla "é porque é um tipo importante".
"Do ponto de vista ético, é perfeitamente condenável andar a pedinchar bilhetes para a bola, do ponto de vista criminal presumo que também seja condenável andar a pedinchar e aceitar os bilhetes para a bola", considerou Negrão, dizendo nunca o ter feito e apenas uma vez ter ido a um jantar oferecido pela direção do Benfica no Estádio da Luz.
"Fui uma vez para ver como era e confesso que não vou a mais nenhum, sobretudo na Assembleia da República acho uma coisa, enfim...", disse, sem concluir a frase.
O deputado, que preside atualmente à Comissão Eventual para o Reforço da Transparência no Exercício de Funções Públicas, lamentou que existam atualmente poucas personalidades de referência no domínio ético, apontando na área política o antigo Presidente da República Ramalho Eanes.
"Sempre houve grandes juízes, hoje temos bons juízes, mas diria que não temos nenhum grande juiz. O que é que aconteceu aos grandes advogados, não querem ser bastonários?", questionou.
A justiça foi uma das áreas mais abordadas na sua intervenção, com Negrão a questionar, em abstrato, a validade ética das constantes fugas de informação.
"O caso do Ministério Público que tem uma investigação em curso e deixa sair informações para ir gerindo a sua investigação criminal, neste caso temos um problema ético", defendeu Negrão, que chegou a ser suspeito de violação de segredo de justiça quando era diretor nacional da Polícia Judiciária, caso que foi depois arquivado pelo Tribunal da Relação.
Sobre o caso concreto de Portugal, o também juiz deixou um desejo: "Façamos todos votos para que o sucesso que o Ministério Público tem tido, e tem tido muito mercê do profissionalismo dos magistrados e de uma vontade férrea de combater a corrupção em Portugal, esperemos que isso não seja manchado por estes episódios menos bons da atividade judicial em Portugal".
Fernão Negrão deixou ainda um conjunto de propostas que, na sua opinião, ajudariam a introduzir a ética no quotidiano, como a criação de uma disciplina de natureza cívica em todos os graus de ensino ou a captação de jovens para o voluntariado.
"A criação de mecanismos que impeçam o exercício de funções públicas a quem não tinha sido ético, designadamente porque cometeu um crime com trânsito em julgado" foi outra das medidas que defendeu, a par de uma componente ética na avaliação dos funcionários e de uma 'brigada rápida' para atuar prontamente em caso de suspeitas.
A criação do estatuto de confidencialidade para quem quiser denunciar comportamentos criminosos foi outra das sugestões do deputado, que se congratulou por a justiça portuguesa ainda não ter de recorrer à delação premiada.
"Há muita coisa a fazer, mas o principal objetivo é termos uma noção ética da vida, introduzirmos a ética no nosso procedimento de todos os dias", defendeu.