"Aliviar o confinamento tem riscos e, se não for feito da maneira certa, pode criar uma segunda vaga de infeções por covid-19", disse Ahmed Ogwell Ouma.
O diretor adjunto do Centro de Prevenção e Controlo de Doenças da União Africana (África CDC) falava, em entrevista à agência Lusa, a partir de Adis Abeba, Etiópia, numa altura em que vários países africanos começaram já a reduzir os períodos de recolher obrigatório e a aliviar as medidas restritivas adotadas para o combate à pandemia.
África mantém-se como o segundo continente menos afetado pela pandemia de covid-19, a seguir à Oceânia, apesar de ter ultrapassado já os 225 mil casos e registar mais de 6.000 mortes num universo de 1,2 mil milhões de pessoas em 54 países.
Ainda assim, a Organização Mundial de Saúde (OMS) alerta para o acelerar da propagação da doença no continente, que demorou 98 dias a atingir os primeiros 100 mil casos, mas apenas 18 dias para chegar aos 200 mil.
Para Ahmed Ogwell Ouma, no contexto africano, o confinamento obrigatório prolongado tem impactos económicos muito significativos que devem ser considerados.
"A maioria dos nossos negócios são informais, portanto é preciso sair para conseguir comer. A nossa economia é literalmente baseada no pão de cada dia. Se os confinamentos são prolongados, a economia sofre", disse.
Para este especialista em saúde pública e antigo consultor da OMS, os governos têm de ser "extremamente cuidadosos" quando decidem aliviar as medidas de confinamento e ter conta o contexto de cada país e a capacidade de resposta do seu sistema de saúde.
"Os confinamentos têm de ser aliviados com a saúde publica em mente porque, se não pusermos a saúde pública no centro do processo de decisão, os números são subir outra vez", disse, sublinhando, por outro lado, a necessidade de as populações serem informadas e devidamente esclarecidas sobre os "prós e contras" das medidas a tomar.
"Se as populações não entenderem e não houver disciplina nas comunidades, o vírus multiplicar-se-á e provocará um rombo nos ganhos alcançados. É isso que queremos evitar", acrescentou.
Ahmed Ogwell Ouma analisou ainda os impactos da covid-19 na saúde em África, considerando que nem tudo foram aspetos negativos.
"A população está mais consciente, melhorou o seu comportamento na procura de cuidados de saúde e está a desenvolver melhores hábitos de higiene e distanciamento social. Isto protege não apenas da covid-19, mas também de outras doenças contagiosas", apontou.
Por outro lado, considerou, a pandemia criou uma maior consciência da importância dos profissionais de saúde na sociedade, que são agora mais envolvidos na tomada de decisões políticas sobre o setor.
Mas, reconheceu, os impactos da doença no continente foram "largamente negativos".
"Os serviços de saúde estão no limite e com a reafetação dos profissionais de saúde, nomeadamente os médicos especialistas, para a resposta à covid-19, os outros serviços dos hospitais não estão a funcionar como deviam", disse.
"Os fundos financeiros dos governos também estão no limite e como estão a investir massivamente na prevenção e resposta à covid-19, não há dinheiro para responder eficazmente às outras doenças", acrescentou, lançando um apelo para que os governos consigam manter os programas em curso para o tratamento de doenças como o VIH/sida, a cólera ou a malária.
Apesar de todas as limitações, o diretor-adjunto do África CDC considera que a pandemia poderá ser "uma oportunidade para fortalecer os sistemas de saúde" africanos.
Questionado sobre a forma como os países africanos lusófonos estão a conseguir lidar com a pandemia, Ahmed Ogwell Ouma assinalou o facto de Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Moçambique e São Tomé e Príncipe se contarem entre os países com menos casos de covid-19 no continente.
"Não vemos grandes números, mas a ausência de grandes números não significa que não existam problemas. Mesmo pequenos números podem representar desafios, mas no caso dos países lusófonos verificamos que têm estado muito comprometidos com as populações, seguindo orientações e recebendo o apoio do África CDC", disse.
Ahmed Ogwell Ouma destacou o caso de São Tomé e Príncipe, onde no início da pandemia não se conseguiam fazer testes à doença localmente, considerando que com a chegada, entretanto, de um aparelho para o efeito, a realização de diagnósticos "ficou facilitada".