Pandemia agravou fome no mundo e pode matar mais que a doença

A atual pandemia agravou as situações de fome verificadas em vários pontos do mundo e criou outros epicentros, denunciou hoje a organização não-governamental Oxfam, alertando que este flagelo poderá matar mais do que a própria doença covid-19.

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Lusa
09/07/2020 06:00 ‧ 09/07/2020 por Lusa

Mundo

Pandemia

"A covid-19 está a agravar a crise de fome nos pontos críticos e a criar novos epicentros em todo o mundo. Até ao final do ano, 12 mil pessoas por dia poderão morrer devido a situações de fome relacionadas com a covid-19, potencialmente mais do que da doença", afirmou a organização não-governamental (ONG) num relatório hoje divulgado.

De acordo com a Oxfam, uma das principais organizações internacionais de luta contra a pobreza, a covid-19 "acrescentou combustível ao fogo de uma crise de fome que já estava a crescer".

Antes da pandemia, em 2019, os números apontavam que 821 milhões de pessoas no mundo estariam numa situação de insegurança alimentar, das quais aproximadamente 149 milhões sofriam de fome.

Para a Oxfam, a atual pandemia é "a gota de água" para milhões de pessoas no mundo que já lutavam para sobreviver face aos impactos de conflitos, das alterações climáticas, de situações de desigualdade e de "um sistema alimentar estragado que empobreceu milhões de produtores de alimentos e trabalhadores".

O Programa Mundial de Alimentos das Nações Unidas (PAM) estima que o número de pessoas a sofrer de fome no mundo poderá aumentar para 270 milhões antes do final deste ano por causa da pandemia, o que representaria um crescimento de 82% em comparação com 2019.

"Isto significa que entre 6.000 e 12.000 pessoas por dia poderão morrer de fome devido aos impactos sociais e económicos da pandemia antes do final do ano, talvez mais do que aquelas que morrerão todos os dias devido à doença até essa data", reforçou a Oxfam.

De acordo com esta ONG, existem atualmente 10 países e regiões com cenários de fome extrema, que se agravaram ainda mais devido à pandemia: Iémen, República Democrática do Congo, Afeganistão, Venezuela, Sahel (África Ocidental), Etiópia, Sudão, Sudão do Sul, Síria e Haiti.

"No conjunto, estes países e regiões representam 65% das pessoas que enfrentam situações de fome a nível global", indicou a ONG.

Outro exemplo é o da Venezuela, onde existe uma expressiva comunidade de portugueses e lusodescendentes, que após sete anos de uma grande crise económica "está mal preparado para enfrentar uma pandemia", assinala a Oxfam.

"Mesmo antes da pandemia, mais de metade das pessoas que viviam com fome na América Latina viviam na Venezuela. No ano passado, 9,3 milhões de pessoas no país não conseguiram obter alimentos suficientes por causa do desemprego, a quebra de rendimentos, o escasso acesso à ajuda humanitária e a hiperinflação, entre outros fatores", enumerou a ONG, lembrando que o salário mínimo mensal no país, que ronda os quatro dólares (cerca de 3,5 euros), "mal chega para comprar uma caixa de ovos".

Apesar da falta de dados oficiais, a ONG indicou que existem evidências que "um número crescente de pessoas está a reduzir a quantidade e qualidade dos alimentos" na sua dieta diária, ou seja, reduzindo a carne, os laticínios e os vegetais.

Mas, a Oxfam denunciou que "a história [da crise de fome] não acaba" nestes países e territórios e que estão a surgir "novos focos de fome" no mundo na sequência da pandemia.

"Países de rendimento médio como a Índia, a África do Sul e o Brasil estão a ter níveis crescentes de fome (...) afetadas pela pandemia", destacou a organização, frisando que "mesmo os países mais ricos do mundo não estão imunes" de situações de insegurança alimentar, como é o caso do Reino Unido.

"Dados do governo do Reino Unido mostram que durante as primeiras semanas de confinamento, até 7,7 milhões de adultos reduziram o tamanho das suas refeições ou não fizeram algumas e até 3,7 milhões de adultos procuraram alimentos em organizações humanitárias ou recorreram a bancos alimentares", indicou no relatório a Oxfam.

No entanto, segundo as denúncias da Oxfam, este cenário não se aplica a todos.

"Os que estão no topo continuam a lucrar", referiu a ONG, apontando que "oito das maiores empresas de alimentos e de bebidas pagaram mais 18 mil milhões de dólares [cerca de 15,9 mil milhões de euros] aos acionistas desde janeiro".

Este montante "é dez vezes mais do que o valor solicitado num apelo da ONU no âmbito da pandemia da covid-19 para impedir que as pessoas passem fome", destacou a organização.

Perante tal situação, e frisando que os governos de todo o mundo devem continuar a agir para conter a propagação da doença mortal que é a covid-19, a Oxfam considera necessárias "ações urgentes" para acabar com a crise de fome.

Entre algumas das medidas, defende, os governos devem, nomeadamente, "financiar em pleno o apelo humanitário da ONU", "cancelar a dívida para permitir que os países de menor rendimento ponham em prática medidas de proteção social", "apoiar o apelo da ONU para um cessar-fogo global" e "avançar com medidas urgentes para enfrentar a crise climática".

 

 

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