Rússia criticada após acusar países ocidentais de pressionarem ONU
A Rússia foi acusada de cinismo, abuso e hipocrisia pelos embaixadores norte-americano, francês e britânico após afirmar que esses países tentaram pressionar o secretariado da ONU a investigar o alegado uso de drones iranianos na Ucrânia.
© ED JONES/AFP via Getty Images
Mundo Ucrânia/Rússia
As duras críticas a Moscovo foram tecidas na quarta-feira, numa reunião do Conselho de Segurança convocada pela própria Rússia por supostos "riscos à integridade da Carta da ONU".
De acordo com o embaixador russo na ONU, Vasily Nebenzya, a carta enviada pelos Estados Unidos, Reino Unido, França e Alemanha ao secretariado das Nações Unidas solicitando uma investigação sobre o suposto uso de drones iranianos por Moscovo na Ucrânia é uma violação do artigo 100 da Carta das Nações Unidas.
"As ações das delegações ocidentais, que exigem que o secretariado organize uma investigação sobre o uso de drones, criam um precedente muito perigoso para o trabalho das Nações Unidas, invadindo as prerrogativas do Conselho de Segurança", disse Nebenzya.
Contudo, a França lamentou "profundamente o cinismo demonstrado pela Rússia ao convocar uma reunião sobre a integridade da Carta das Nações Unidas, quando é a Rússia que constantemente viola a Carta, ao invadir o seu vizinho e ao tentar anexar os seus territórios".
"Os factos são muito claros. O Irão forneceu drones à Rússia, que os usou em bombardeamentos indiscriminados contra alvos civis. Esses factos, que podem constituir crimes de guerra, estão bem documentados e (...) representam uma violação" de resoluções da ONU, defendeu Nicolas de Rivière, embaixador francês.
Já o diplomata norte-americano Robert Wood considerou as afirmações da Rússia "chocantes".
"O artigo 100 estabelece que 'o secretário-geral e os seus funcionários não devem solicitar ou receber instruções de nenhum Governo'. Os pedidos dos Estados Unidos e de outros membros do Conselho não eram 'instruções'. Assim como inúmeros outros pedidos feitos ao secretário-geral pelos Estados-membros da ONU foram feitos para que tomasse as medidas apropriadas", disse Wood.
"Muitos Estados-membros fazem pedidos como este, incluindo a Rússia. De facto, em agosto deste ano, a Rússia pediu que o secretário-geral investigasse assassínios numa prisão no leste da Ucrânia", recordou o diplomata norte-americano, acrescentando que "tais pedidos de investigações são comuns, apropriados e não violam o artigo 100 da Carta da ONU".
Na reunião do Conselho de Segurança, o embaixador britânico James Kariuki frisou que a Rússia e o Irão "foram apanhados em flagrante violando a resolução 2231" do Conselho de Segurança, manifestando apoio a uma "investigação imparcial e especializada por parte da ONU".
"A alegação da Rússia de que estamos a tentar influenciar indevidamente o secretariado é absurda e hipócrita. (...) Foi a Rússia que ameaçou encerrar toda a cooperação com a ONU se o secretariado não fizer o que a Rússia quer. Esse não é o comportamento de um país sem nada a esconder. É o comportamento de um 'bully'", disse Kariuki.
Na semana passada, a Rússia ameaçou reavaliar a continuidade da sua cooperação com o secretário-geral da ONU, António Guterres, caso a organização envie à Ucrânia uma missão para inspecionar a utilização de 'drones' iranianos na guerra.
Na reunião desta quarta-feira, o subsecretário-geral para Assuntos Jurídicos e do Conselheiro Jurídico da ONU, o português Miguel de Serpa Soares, esclareceu a natureza do trabalho realizado pelo secretariado face às acusações de Moscovo.
De acordo com Serpa Soares, "é natural que os Estados-membros desejem exercer o máximo de influência que puderem sobre as atividades da Organização, incluindo o secretariado", mas que cabe ao secretariado insistir no estabelecimento de uma linha clara "entre cooperação e pressão".
"Sem desviar de forma alguma dos padrões que o artigo 100 exige que o secretariado e os Estados-membros cumpram, o secretariado toma nota de todas as informações que são trazidas ao seu conhecimento pelos Estados-membros a fim de verificar e avaliar a sua relevância para a conclusão dos mandatos que lhe são confiados", esclareceu o português.
Por outro lado, a embaixadora dos Emirados Árabes Unidos defendeu que "não pode haver igualdade soberana dos Estados-membros se alguns tentarem influenciar ou instruir o secretariado a agir de certa forma".
"Os Estados mais pequenos estão cientes do risco, mas deveria ser algo que preocupa todos os que não têm o privilégio de ter um assento permanente no Conselho de Segurança. Seria ingénuo fingir que Estados-membros nunca tentaram influenciar o secretariado", afirmou Lana Nusseibeh.
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