"Fazemos um apelo à Assembleia Nacional a não insistir em avançar com a discussão de um texto que viola claramente múltiplos direitos humanos, desrespeita a Constituição Nacional e não contribui em nada para melhorar o ambiente do país num contexto de Emergência Humanitária Complexa", lê-se na carta, assinada por 236 ONG e personalidades.
No pedido, denunciaram o "caráter abertamente violador do direito à liberdade de associação e de outros direitos humanos" da lei, que "ocasionará o encerramento definitivo e a militarização do espaço cívico", causando "danos irreparáveis aos direitos da população e à sociedade".
"Não se trata de um instrumento de regulação, uma vez que já existe um sistema regulador legalmente estabelecido e favorável ao exercício da liberdade de associação, de acordo com a norma constitucional, tanto em termos de registo, como de responsabilidades e fiscalização", explicaram.
No entanto, precisaram que o Estado tem introduzido mecanismos discricionários e arbitrários, que dificultam os procedimentos.
"(A lei) não está concebida para melhorar a prevenção e sanções de possíveis situações ilícitas ou irregulares por parte de associações civis e fundações, (...) estes alegados factos têm uma ocorrência muito reduzida no país e existem procedimentos judiciais para os investigar e esclarecer", disseram.
Os signatários da carta defenderam que, se for aprovada, a lei vai transformar o direito associativo em um assunto de "ordem pública" e reforçará a suspeita e presunção de crimes, permitindo a intervenção injustificada das forças militares e de segurança na vigilância e controlo das associações.
Essa intervenção vai aprofundar a criminalização, ilegalização e confiscação das liberdades de reunião pacífica, expressão, informação, defesa dos direitos, da denúncia, crítica, da dissidência pacífica, equiparando todos estes direitos a terrorismo, conspiração, desestabilização, ingerência estrangeira ou simplesmente atividades políticas, disseram.
"Sem bases que justifique e de maneira contrária à Constituição e as normas internacionais (...), a lei estende-se de forma totalizante, ambígua e desproporcionada a todas as fundações e associações civis (...) e deixa sem efeito os registos que têm as associações com personalidade jurídica para trabalhar no país", alertaram.
O documento salientou que a lei vai impor ainda a autorização, o controlo e a fiscalização do Estado sobre as ONG e requisitos adicionais desnecessários e não compatíveis com a condição civil das associações, de impossível cumprimento.
Na carta, os signatários advertiram a comunidade internacional e os atores envolvidos na superação da crise venezuelana e na procura de uma transição pacífica e democrática que não podem ignorar esta ameaça, que pode comprometer a realização de eleições justas, seguras e livres na Venezuela.
Em causa está o reinício do debate para aprovação do Projeto de Lei de Fiscalização Regularização, Atuação e Financiamento das ONG e Afins, aprovado em primeira discussão há um ano.
Em 09 de janeiro, o parlamento da Venezuela anunciou o início de uma consulta pública sobre a lei, que deverá ainda ser debatido de maneira pormenorizada para aprovação definitiva.
O projeto de lei foi apresentado pelo vice-presidente do Partido Socialista Unido da Venezuela (PSUV, no poder), Diosdado Cabello, que disse ter identificado 62 ONG a receber financiamento de outros países e a operar "com fins absolutamente políticos".
Esta lei vai "ajudar a pôr ordem num setor onde, definitivamente, não há ordem", sublinhou Cabello.
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