Reforço de ajuda a Gaza é positivo, mas "nem de longe suficiente"

A Unicef alerta que a reforço da ajuda humanitária à Faixa de Gaza é "muito positivo, mas "nem de longe suficiente" para as necessidades, que incluem cuidados de saúde mental para a totalidade de um milhão de crianças.

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© SAEED JARAS/Middle East Images/AFP via Getty Images

Lusa
01/02/2025 09:27 ‧ há 2 horas por Lusa

Mundo

UNICEF

Em entrevista à Lusa a partir da Cidade de Gaza, a porta-voz do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) para o Médio Oriente, Tess Ingram, considera também que nenhuma outra entidade conseguiria substituir o trabalho da agência das Nações Unidas para os refugiados palestinianos (UNRWA), entidade banida em Israel, e avisa que os habitantes da Faixa de Gaza não podem ser forçados a abandonar o enclave palestiniano.

 

Apesar das ameaças que pairam sobre o cessar-fogo entre Israel e o grupo islamita Hamas, a suspensão dos combates permitiu desde 19 de janeiro o reforço da ajuda humanitária ao devastado território palestiniano, demonstrando que "é possível cumprir a missão" logo que as restrições foram removidas.

"Agora, conseguimos efetivamente aumentar a escala da resposta e chegar às crianças em toda a Faixa de Gaza", observa, saudando este novo quadro como "muito positivo" e que significa que "as crianças já não têm de se preocupar com a possibilidade de serem mortas por bombas ou por balas".

No entanto, adverte que o apoio nestes primeiros dias da primeira fase do cessar-fogo "não é de longe suficiente para as necessidades da população", que vive em circunstâncias de enorme privação de bens essenciais há mais de 15 meses.

"Falei com muitas famílias que ainda precisam do básico, de abrigo, de roupa, de comida, de água", relata, reforçando que "é impossível satisfazer as necessidades de todos numa semana".

A porta-voz da Unicef destaca o caso do acesso à água, que "continua a ser um desafio enorme", num cenário em que muitos dos sistemas de abastecimento, sobretudo no norte do território, foram destruídos, sendo agora prioritário aproveitar o cessar-fogo para servir a população e proceder a reparações ao mesmo tempo.

Tess Ingram entrou na Faixa de Gaza há alguns dias numa caravana inter-agências da ONU, que levou seis camiões-cisterna de combustível ao norte do enclave para revitalizar bombas de água, mas também para abastecer unidades de saúde e padarias, além de transportar bens como roupas e mantas de inverno, 'kits' de higiene e produtos de nutrição.

"O que mais me chocou foi o nível de destruição no norte de Gaza. Há tantos escombros, tantos danos nas estradas e em infraestruturas", descreve, "o que mostra bem que grande parte desta região não é habitável no momento atual".

Embora a Unicef tenha mantido missões no território antes do cessar-fogo, esta "situação muito nova" de acesso a áreas dantes vedadas, e com mais tempo, permite observar os habitantes a interagir com os espaços devastados e "perceber que aquela era a casa de alguém, ou a loja de alguém".

A porta-voz conta que passou algum tempo com uma família que estava a construir um abrigo improvisado em cima dos escombros do que era a sua casa e "eles estavam determinados a permanecer ali, ao mesmo tempo que falavam de como seria difícil e terrivelmente triste porque lhes falta mesmo tudo".

Ainda assim, defende que "se as pessoas querem ficar devem ser autorizadas a ficar", quando questionada sobre a ideia do Presidente norte-americano, Donald Trump, de transferir a população da Faixa de Gaza para os países vizinhos, o que foi já rejeitado por Egito e Jordânia.

"As pessoas não devem ser deslocadas à força. É por isso que as agências humanitárias estão aqui, para prestar apoio a estas pessoas nas suas comunidades e nas suas casas", afirma a porta-voz da Unicef, que "permanecerá e protegerá os direitos das crianças, fornecendo ajuda e serviços o tempo que for preciso".

Outro desafio está relacionado com "a localização das famílias das crianças que permanecem perdidas ou órfãs", num momento em que o cessar-fogo eliminou a barreira que impedia o trânsito de pessoas do sul para o norte do enclave.

Os números das autoridades locais, controladas pelo Hamas, indicam que mais de 47 mil pessoas morreram na ofensiva israelita, na maioria civis, a que se somam 10 mil desaparecidos, desde 07 de outubro de 2023, data do ataque do grupo palestiniano no sul de Israel, onde fez cerca de 1.200 mortos e 250 reféns, desencadeando o atual conflito.

"As crianças vão precisar de muito apoio em termos de saúde mental e apoio psicossocial. Na Unicef, estimamos que a totalidade de um milhão de crianças da Faixa de Gaza necessitará desse apoio", sublinha a porta-voz, dando conta de um trabalho "a muito longo prazo" durante vários anos para "compreenderem o que passaram e lidarem com isso", e que inclui a formação de mais profissionais.

O acordo entre Israel e Hamas tem o prazo de 42 dias na sua primeira fase, período em que serão negociadas a segunda e a terceira, com vista à cessação permanente das hostilidades, mas permanecem muitas incógnitas dada a sua fragilidade.

Atualmente, a Unicef está a dar prioridade às "necessidades mais urgentes", como o abastecimento de água potável, tratamento de crianças subnutridas e vacinação, para mais tarde "continuar com outras componentes do trabalho", apontando o acesso a material didático e aumentar a aprendizagem.

"O que está em jogo é muito importante para as crianças de Gaza", adverte Tess Ingram, que espera que o respeito pelo cessar-fogo seja preservado, mesmo que o trabalho humanitário esteja "a avançar muito rapidamente e isso é uma boa notícia".

A porta-voz assinala o papel da UNWRA nesta tarefa, que considera insubstituível e a "espinha dorsal" da resposta humanitária na Palestina, após a proibição das suas atividades pelo parlamento israelita, alegando que a organização está infiltrada pelo Hamas.

"Nenhuma outra entidade pode prestar os serviços à escala que a UNWRA presta tanto na Cisjordânia, incluindo Jerusalém Oriental, como aqui na Faixa de Gaza", comenta, assinalando que, para continuar este trabalho "que salva vidas", a agência da ONU "tem de fazer parte dele" e exemplo disso é o transporte que assegurou de dois terços dos alimentos para o enclave desde o cessar-fogo.

Atualmente, "o trabalho da UNWRA é mais importante do que nunca e, se fosse interrompido, seriam as crianças a pagar o preço desta decisão", prossegue, lembrando ainda que "esta é uma agência da ONU com um mandato do Conselho de Segurança e que a comunidade internacional deve apoiar".

Leia Também: Israel vai libertar 183 prisioneiros no sábado

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