Dissidente do partido A Esquerda (extrema-esquerda), no qual era figura destacada, Sahra Wagenknecht fundou, há um ano, o BSW, aliança com o seu nome, que arrancou com fulgor -- obtendo bons resultados, em setembro, em eleições em dois estados regionais do Leste da Alemanha (Turíngia e Brandenburg) -, mas luta agora por não ficar de fora do parlamento alemão, e o ambiente frio no comício de hoje na capital do país não terá sido o maior tónico, a três dias das eleições.
Se em outubro passado, as sondagens apontavam para um resultado em torno dos 9%, na reta final da campanha eleitoral para as eleições legislativas antecipadas a intenção de voto ronda os 5%, precisamente o limitar para entrar no Bundestag (câmara baixa do parlamento), tendo o BSW sido mesmo superado por A Esquerda, partido a que muitos vaticinavam o fim após a 'deserção' de Wagenknecht, mas que, segundo as mais recentes consultas, pode alcançar os 7%.
No derradeiro esforço antes das eleições de domingo, nas quais o grande objetivo passa então por garantir representação parlamentar no Bundestag, Sahra Wagenknecht dirigiu-se hoje aos seus apoiantes em Berlim num comício ao ar livre ao início da noite, que não fez aumentar a temperatura, em redor dos 0 graus, com os apoiantes a não serem tantos quantos os cartazes que o partido preparara para serem empunhados, com boa parte a ficarem abandonados junto a um gradeamento.
Sahra Wagenknecht, que cresceu na antiga RDA comunista e defende posições anti-capitalistas, opondo-se também à NATO e às bases norte-americanas na Alemanha -- ao mesmo tempo que defende uma linha dura contra a imigração, o que lhe valeu o rótulo de "conservadora de esquerda" -, voltou a defender hoje o fim do apoio militar a Kiev, reiterando que a guerra na Ucrânia, pela qual considera a Aliança Atlântica parcialmente responsável, "só pode ser terminada através de negociações".
"Querem convencer-nos de que, se não nos armarmos, os russos vão acabar connosco, mas esquecem-se de que, em três anos, não conseguiram derrotar o exército ucraniano", disse, desde o pequeno palco instalado junto às Portas de Brandemburgo, que na próxima segunda-feira, no dia seguinte às eleições, será o cenário de uma manifestação a favor da Ucrânia, a assinalar o terceiro aniversário do início da agressão militar russa, e que se adivinha bastante mais concorrida do que o comício de hoje do BSW.
Contudo, entre vários apoiantes ouvidos no local pela Lusa, as posições geopolíticas de Sahra Wagenknecht, designadamente a reclamar o fim do fornecimento de armas a Kiev -- que lhe têm valido acusações de ser pró-Putin e repetir a propaganda do Kremlin --, foram invariavelmente apontadas como a principal razão para lhe confiarem o seu voto.
Ainda antes de ouvir Wagenknecht argumentar, desde o palco, que "a Alemanha não é uma sociedade livre", uma eleitora do BSW diz à Lusa que deposita o voto nesta candidata, pois está "agastada" com a atual situação no país, onde, diz "quem não segue a narrativa que está escrita", designadamente em matérias como a guerra na Ucrânia, "é perseguido e punido".
"As pessoas que não sigam a narrativa de se ter de prestar apoio à Ucrânia, por exemplo, são postas de lado e silenciadas. Isto não é uma democracia", insurge-se Ida, que, "sendo da geração dos 'baby boomers'", diz nunca ter visto o país tão mal, com tão pouca liberdade.
"Esta é a última oportunidade", refere, ameaçando mesmo deixar a Alemanha "se as coisas continuarem por este caminho".
Também Peyman, um homem de meia-idade com raízes iranianas e turcas, diz à Lusa que vota em Sahra Wagenknecht fundamentalmente pelas suas "posições geopolíticas", dado defender "soluções razoáveis e factuais, mais do que ideológicas", algo que nenhum dos outros partidos oferece.
Apontando que nunca vota por defeito num partido -- "a política não é como o futebol, onde seguimos um clube toda a vida" -, este apoiante do BSW elogia a "empatia" da sua fundadora e diz rever-se nas suas posições na frente externa, sobretudo por contrariar "a narrativa de que os russos é que são maus" e também, e sobretudo, admite, por "fazer a defesa dos direitos humanos dos palestinianos nos territórios ocupados e criticar a política de 'apartheid' deste Governo israelita", questão que assume como "uma prioridade" para decidir o seu sentido de voto.
Da mesma forma, Domenic, antigo eleitor de A Esquerda e que assistiu ao comício de hoje em Berlim mesmo depois de já ter exercido o voto antecipado, diz esperar que Sahra Wagenknecht garanta a eleição para o parlamento, "para haver na oposição uma voz que contrarie o discurso dos principais partidos, todos eles neoliberais, e que defenda o fim da subserviência aos Estados Unidos, tratando todos os Estados imperiais da mesma forma, e não apresentando apenas a Rússia como má".
Evidenciando-se pela sua juventude, entre uma assistência com uma média de idades relativamente alta, Philip, 19 anos, diz à Lusa que apoia o BSW porque é "a favor da paz, na Ucrânia e em Gaza".
Confirmando com um sorriso orgulhoso que votará pela primeira vez no próximo domingo, este jovem afirma à Lusa que Sahra Wagenknecht criou o BSW em boa altura, "pois de outra forma optaria pela abstenção" nas primeiras eleições legislativas para as quais pode votar, já que só se revê neste partido e nas suas posições.
A Alemanha realiza no dia 23 eleições legislativas antecipadas, depois da queda do governo de coligação liderado pelo social-democrata Olaf Scholz, com as migrações, a recessão económica e a subida da extrema-direita a dominarem a campanha eleitoral.
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