"Trump limitou a margem de pressão ao trazer Putin para negociações"

Três anos após o início da guerra na Ucrânia, Helen Thompson, autora do livro 'Desordem - Tempos Difíceis no Século XXI', faz a sua previsão para o desfecho deste conflito.

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© BRENDAN SMIALOWSKI/AFP via Getty Images

Andrea Pinto
28/02/2025 08:06 ‧ há 5 horas por Andrea Pinto

Mundo

Helen Thompson

Helen Thompson é professora de Economia Política na Universidade de Cambridge em Inglaterra. Um mês após o início da guerra entre a Ucrânia e a Rússia, lançou o livro 'Desordem', uma obra que analisa a geopolítica da energia, o sistema financeiro internacional e a política nas democracias europeias por forma a compreender a 'desordem' do nosso tempo.

 

Numa altura em que se assinalam os três anos de guerra na Ucrânia, o Notícias ao Minuto falou com a autora para que nos explicasse o que continua a potenciar o conflito estre estas duas nações, quais as previsões para a resolução do mesmo e quais as consequências para a Europa.

Helen Thompson acredita que o futuro da Ucrânia afigura-se muito difícil, dado que Putin não consegue obter satisfação com aquilo que já conquistou até ao momento. Porém, e apesar de considerar que será difícil cumprir a promessa de fazer o país de Volodymyr Zelensky parte da União Europeia, admite que "a nacionalidade ucraniana faz agora parte inexorável da política europeia de uma forma que não fazia antes". Nesta conversa, analisou-se ainda o papel de Trump na mediação da guerra e, também, o papel de Portugal.O horror da guerra continua a existir. Obviamente, e infelizmente, a intensidade dessa emoção diminui quando se observa o conflito à distância‘Desordem’ é uma palavra que capta com acuidade a atualidade política. Como definiria os tempos em que vivemos?

Continuo a pensar que a palavra “desordem” capta o efeito cumulativo das múltiplas forças disruptivas que atuam atualmente. Embora acredite que os problemas energéticos explicam uma parte significativa da desordem, há também antigas configurações territoriais que estão a fraturar-se porque o que as sustentava geopoliticamente está a desfazer-se. 

Assinalaram-se esta semana três anos de guerra na Ucrânia. Admitiu que foi com “horror” que reagiu à invasão russa, em 2022. Três anos depois, como é que olha para o conflito?

O horror da guerra continua a existir. Obviamente, e infelizmente, a intensidade dessa emoção diminui quando se observa o conflito à distância, em vez de se lidar diariamente com os seus horrores específicos, mas a terrível tragédia pesa sobre mim. 

Notícias ao Minuto                          © Reprodução Helen Thompson  

Que futuro consegue prever?

Para a Ucrânia, o futuro afigura-se muito difícil. Penso que a União Europeia terá dificuldade em cumprir a promessa de adesão que fez à Ucrânia. Mas, ao mesmo tempo, a nacionalidade ucraniana faz agora parte inexorável da política europeia de uma forma que não fazia antes, pelo que a Europa terá de contar com o futuro da Ucrânia, mesmo que não haja um caminho claro a seguir.

Quais são os fatores políticos, económicos e geopolíticos que impedem que este conflito seja resolvido?

O problema subjacente é que Putin não reconhece a legitimidade de uma nação ucraniana independente ou a simples ideia de nação ucraniana e não é possível à NATO entrar em guerra com a Rússia para defender a independência da Ucrânia. Sem a perspetiva de mais soldados a lutar ao lado da Ucrânia, Putin não tem porque se contentar com o que ganhou militarmente até agora sem que lhe sejam oferecidas outras concessões, incluindo em matéria de energia, do tipo que Trump poderá não estar disposto a ceder. 

Há um elemento de incognoscibilidade na tomada de decisões de Putin. Se invadiu porque temia que uma Ucrânia apoiada pelos EUA fosse uma ameaça, é difícil perceber como é que pensou que poderia conseguir uma mudança de regime em Kyiv em poucas semanasA guerra eclodiu em 2022, mas este é um conflito que já tem largos anos. O que desencadeou o intensificar do conflito e qual acha que é a principal razão que levou Putin a querer invadir?

Na altura pensei, e continuo a pensar agora, que há um elemento de incognoscibilidade na tomada de decisões de Putin. Se invadiu porque temia que uma Ucrânia apoiada pelos EUA fosse uma ameaça, é difícil perceber como é que pensou que poderia conseguir uma mudança de regime em Kyiv em poucas semanas. Se pensou que a Ucrânia era fraca, então calculou terrivelmente mal a capacidade de resistência da Ucrânia e o incentivo para uma invasão em grande escala não existe. Mesmo que obtenha ganhos territoriais com o acordo negociado por Trump, pagou um preço considerável por tentar tomar o poder em Kyiv, nomeadamente o reforço da posição da NATO no Mar Báltico, com a adesão da Finlândia e da Suécia, e a expulsão da marinha russa de Sebastopol.

Com a vitória de Donald Trump nas presidenciais dos EUA, temos visto uma mudança de posição no apoio do país à Ucrânia, com o presidente a ter já chamado Zelensky de “ditador”. De que forma é que a mudança de liderança política nos EUA pode influenciar o futuro deste conflito?

Trump alterou claramente os parâmetros da guerra ao tentar contornar Zelensky. Penso que, se Kamala Harris tivesse ganho, a política dos EUA teria sido invertida muito mais lentamente, mas a mesma posição de querer pôr fim à guerra teria prevalecido no final, uma vez que os EUA não têm qualquer interesse em apoiar uma guerra longa que a Ucrânia não pode ganhar. 

Notícias ao Minuto                                 Capa do livro 'Desordem - Tempos Difíceis no Século XXI'                                      © Helen Thompson  

O que impede que os líderes mundiais consigam pôr fim a esta guerra?

Pode muito bem acabar, mas o Trump apenas limitou a margem de pressão ao trazer Putin para a mesa de negociações.

Penso que é muito difícil imaginar, neste momento, uma Europa capaz de tratar de todos os seus próprios problemas, especialmente no que respeita à segurança, sem o apoio dos EUA

O ex-líder polaco e Nobel da Paz, Lech Walesa, sugeriu esta semana que a Europa deveria ser a responsável por encontrar soluções para o conflito no seu continente e que os EUA só deveriam ser chamados para interferir em problemas globais. Partilha desta opinião?

Penso que é muito difícil imaginar, neste momento, uma Europa capaz de tratar de todos os seus próprios problemas, especialmente no que respeita à segurança. Seriam necessários muitos anos para que os estados europeus pudessem dar uma garantia de segurança aos países bálticos e à Polónia sem o apoio americano. 

Diz que teme pelo futuro da Europa. A que se refere especificamente?

Deixando de lado a dificuldade de manter a NATO, penso que a Europa está a viver um grave problema de energia e de recursos. Muito simplesmente, a Europa não tem a base material de energia e recursos para sustentar as expectativas materiais dos europeus a médio e longo prazo. A transição energética era suposto resolver este problema. Mas mesmo que tenha havido progressos na descarbonização, o Net Zero agravou a dependência de recursos estrangeiros devido à dependência de cadeias de produção e de fornecimento controladas pela China para as infraestruturas que a energia com baixo teor de carbono exige. 

A invasão da Ucrânia intensificou algumas tensões na Europa. Acredita que há espaço no continente para se gerar ainda mais conflitos?

Infelizmente, sim. Penso que a maior parte dos países que fazem fronteira com a Rússia irão sentir tensões. Não é difícil ver como a instabilidade na Bielorrússia pode causar sérias preocupações na Polónia. 

Fala-se em Portugal como sendo um território privilegiado pela sua posição junto ao mar e há, até, relatos de apresentadores russos que já terão afirmado que Lisboa deveria ser russa. Como olha para o papel de Portugal neste conflito, corremos risco ou é um ator pouco relevante neste conflito?

Não creio que Portugal enfrente os mesmos problemas que os países da Europa de Leste. 

Para além do conflito na Ucrânia, o mundo vive em desordem com outros conflitos, como é o caso do conflito no Médio Oriente. Devemos temer o que se poderá suceder?

Sim! O Médio Oriente foi profundamente desestabilizado pela guerra que o Hamas e o Irão iniciaram em 7 de outubro de 2023. Tendo em conta os danos causados ao Irão em 2024, é possível que Israel tente eliminar o programa nuclear iraniano. A situação na Síria é muito tensa e traz a possibilidade de um conflito entre Israel e a Turquia. Israel tem a oportunidade de melhorar a sua segurança nas fronteiras síria e libanesa, enquanto não tem resposta para a questão palestiniana, o que tornará difícil para os Estados árabes do Golfo prosseguirem realmente a normalização com Israel. 

Leia Também: Rússia condena a até 16 anos soldados ucranianos capturados em Kursk

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