Na conferência 'O Estatuto dos Titulares de Cargos Políticos - Cinco Anos Depois', realizada na Assembleia da República, num debate sobre o código de conduta dos deputados, o antigo deputado e investigador Paulo Trigo Pereira apelou a um "entendimento comum do que é aceitável e do que é inaceitável" e defendeu que, embora não seja necessário criar um "glossário das palavras aceitáveis e inaceitáveis", é preciso "aderir a um princípio de que há palavras e expressões inaceitáveis" no parlamento.
O ex-deputado pediu um travão urgente ao que classificou como "processo de degradação" do parlamento e manifestou desacordo com a posição do presidente da Assembleia da República - de que cabe aos eleitores avaliar, nas urnas, o comportamento dos deputados - afirmando que "não faz sentido" deixar "degradar a imagem do parlamento durante quatro anos", confiando que os eleitores resolverão a questão.
"É o mesmo que uma criança dar uma estalada no irmão e a gente dizer: 'Bem, agora não acontece nada, mas daqui a um ano, quando chegarmos ao Natal, não vais ter a prenda que tu querias'. Isto não faz sentido nenhum", exemplificou.
O professor universitário pediu o aprofundamento de uma análise comparada com outros parlamentos antes de se avançar com o estabelecimento de sanções, mas defendeu que, nos casos mais graves, se pode considerar a suspensão de mandato ou um corte salarial, sustentando que "nestas coisas não se pode brincar" e que se deve mexer "onde dói".
Também a investigadora Mariana Melo Egídio, assistente convidada da Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa, defendeu uma revisão do código de conduta, mas frisou a importância de cumprir princípios de proporcionalidade e de implementar uma "lógica gradativa".
A professora universitária pediu igualmente uma análise comparada com o que é feito noutros países europeus e defendeu que a reflexão sobre o que deve ser adotado em Portugal "não deve ser acelerada, apesar de a evolução dos factos e das circunstâncias da realidade muitas vezes ser mais rica do que a ficção".
"Outro aspeto que se poderia também discutir, como há no Brasil, o Código de Conduta para as redes sociais dos deputados, o que apresenta aqui todo outro conjunto de problemas e de que forma é que podem ser, por exemplo, feitos determinados comentários, inclusivamente, relativamente a terceiros, a cidadãos", disse ainda.
Luís de Sousa, coordenador do estudo "Ética e Integridade na Política" da Fundação Francisco Manuel dos Santos, defendeu a possibilidade de a Comissão da Transparência ter poderes disciplinares próprios, reconhecendo que pode ser uma solução audaz, mas adequada "perante uma crise de legitimidade" que põe em causa a autorregulação do Parlamento.
Na fase de perguntas, o deputado socialista Pedro Delgado Alves reconheceu que, com o acréscimo de sanções, pode haver o risco de as maiorias parlamentares manipularem as punições, mas manteve a defesa de um reforço do regime sancionatório, por considerar que o perigo de manipulação está salvaguardado pelo Estado de direito.
O deputado do PSD António Rodrigues pediu ponderação na discussão do assunto, sublinhando que todos os casos que levaram ao debate sobre o Código de Conduta dos deputados "tinham, acima de tudo, motivações políticas" e não pessoais, considerando "perigoso tomar qualquer tipo de posições excessivas".
"Por muito que doa a muita gente, o Parlamento tem em si já muitos mecanismos para poder autorregular-se, quer através dos mecanismos políticos, quer através dos mecanismos de direção dos trabalhos parlamentares", concluiu.
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