O 'brilhante Celinho' dos 'sete ofícios' chega hoje à Presidência

Há anos que todos os domingos o víamos no pequeno ecrã e que mantinha o ‘lugar cativo’ na Faculdade de Direito de Lisboa. Hoje chega a Belém. O professor Marcelo, em tempos ‘Celinho’, é a partir de hoje o Presidente da República portuguesa. Isso (ou quase) previu o amigo de infância Eduardo Barroso com apenas 11 anos.

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Ana Lemos
09/03/2016 08:00 ‧ 09/03/2016 por Ana Lemos

Política

Belém

Aos 67 anos, feitos a 12 de dezembro, Marcelo é o 19.º Presidente da República e o quinto eleito em democracia. O aluno brilhante, professor catedrático, político e comentador televisivo, chega a chefe de Estado após ter conquistado, a 24 de janeiro deste ano, 52% dos votos dos portugueses, quase 20 anos depois de ter liderado o PSD.

Chega a Belém com a promessa de cumprir a Constituição e de “aumentar e reforçar a autoestima dos portugueses”. A caminhada foi longa mas ‘superou’ a intuição do amigo de infância, o cirurgião Eduardo Barroso. O professor Marcelo, que nos últimos doze anos entrou todos os domingos pela casa dos portugueses, vai ser o Presidente da República nos próximos cinco anos.

Na corrida a Belém, não esqueceu as origens

Foi em Celorico de Basto (distrito de Braga), terra da sua avó Joaquina, que a 9 de outubro de 2015 anunciou a sua candidatura à Presidência da República. Ali encerrou também a campanha eleitoral e exerceu o seu direito de voto. “O dinheiro nunca é um fim em si mesmo, é um meio para ter uma vida digna”, era o lema do seu pai Baltazar Rebelo de Sousa. E se a família sempre viveu em casas arrendadas, Marcelo não fugiu à regra: desde 1975 que vive numa casa arrendada na Rua Conde Ferreira, em Cascais.

Foi o primeiro de três filhos e o que aumentou agora 'a parada’ na vida política, em que todos, de forma mais direta ou não, se envolveram. António, o irmão do meio, está hoje afastado da política partidária mas foi o primeiro líder da Juventude Social Democrata (JSD) e, mais tarde, deputado do PSD e PS. Pedro, o mais novo dos três e advogado num dos escritórios de referência em Lisboa, nunca esteve ligado a partidos mas chegou a ser escolhido para representação do governo em várias ocasiões.

Em comum têm ainda uma herança de família - uma bíblia que circula entre os ‘Rebelos’ há mais de 100 anos - e o facto de serem verdadeiras máquinas de trabalho e animais de hábitos. E gravatas, todos adoram gravatas.

Marcelo, a somar ‘títulos académicos’ desde tenra idade

Tem dois filhos e cinco netos. É filho do médico Baltazar Rebelo de Sousa e da assistente social Maria das Neves que foi transportada por Marcello Caetano no seu carro para a maternidade: Marcelo ia nascer. Conheceu Salazar e conviveu desde a infância com as figuras proeminentes da ditadura.

A primeira escola que frequentou foi o Lar da Criança onde teve como colega o cirurgião Eduardo Barroso. Saiu depois para o Liceu Pedro Nunes, onde foi o melhor aluno. Já na Faculdade de Direito de Lisboa continuou o percurso de aluno brilhante, terminando o curso com 19 valores.

Mas não foi na faculdade que teve o primeiro contacto com a política. Foi o berço onde nasceu e cresceu que desenhou aquele que viria a ser o seu destino. Além da amizade dos pais com o então primeiro-ministro do Estado Novo, Marcello Caetano, o pai, Baltazar esteve desde sempre ligado à política: foi subsecretário de Estado, governador-geral de Moçambique, e ministro das Corporações e Previdência Social e do Ultramar.

Eduardinho’ soube desde sempre que ‘Celinho’ seria grande

O futuro estava traçado. E desde cedo, alguém soube. Logo aos 11 anos, o seu amigo de infância Eduardo Barroso disse ao primo João Soares, com todas as suas certezas, que Marcelo havia de ser primeiro-ministro. Mais tarde, no final da década de 90, chegou aliás a apostar “dois mil contos” com o tio Mário Soares em como 'Celinho' ia chegar a chefe do governo. Mas a Aliança Democrática (AD) com Paulo Portas caiu por terra e o líder do PSD demitir-se-ia do cargo “ao fim de 1.091 dias”.

Mas se a aposta de ‘Eduardinho’ fosse em que Marcelo seria Presidente da República em 2016, teria ganho. Aliás, já em 2006, avisou o tio, que se candidatava a Belém perdendo para Cavaco, que se Marcelo avançasse, apoiaria o amigo. Mas ‘Celinho’ não avançou nessa altura. A providência divina, de que tanto cuida, ter-lhe-á dado o sinal: agora sim, com Guterres e Durão fora da corrida, era tempo de avançar.

Do pequeno ecrã para o Palácio de Belém

Até chegar, a Belém, Marcelo nunca deixou de ser “uma das figuras mais presentes na política nacional dos últimos 40 anos”, sobretudo desde que há mais de dez anos passou a invadir “as casas dos portugueses” todos os domingos para “comentar e analisar, segundo ele, para conspirar e manipular, acusam os adversários”, ora na TVI, ora na RTP, ora novamente na TVI.

E, a verdade é que, ao longo destes anos conquistou um preponderante lugar mediático, até à ‘luz verde’ de cima: “Há de haver um momento em que a Providência, que é sábia, me há de dar o sinal. Sim ou não. E não me vou preocupar com isso. Terá de ser um sinal muito óbvio”, disse em 2012 ao jornalista Vítor Santos, autor da biografia ‘Marcelo Rebelo de Sousa’, da editora A Esfera dos Livros.

Já dizia Durão Barroso: “Marcelo pensa demais e isso limita-lhe os movimentos” e o seu “problema na política” foi “planear demasiado o que ia acontecer e depois nada acontecia como planeado”, para sua frustração. Era como se “estivesse sempre no lugar errado no momento errado”. Prova disso, lê-se na obra ‘Marcelo Rebelo de Sousa’, é o facto de ao longo do seu percurso político não ter reunido “tropas” à sua volta, “não há nenhuma corrente de marcelistas”, ao contrário dos “cavaquistas, barrosistas ou santanistas”.

Recandidatura? "Nem que Cristo desça à terra"

Cedo começou (também) o seu percurso no PSD. Militante desde 1974, ficou responsável pela implementação do então PPD no sul do país. Vinte anos depois, em 1996, no pós-cavaquismo, chegou à liderança do partido, cargo que ocupou durante três anos. E sobre o partido ‘laranja’ uma frase jamais será esquecida: Uma recandidatura? “Nem que Cristo desça à terra”, disse em 1996 e repetiu em 2009.

Antes, em 1989, Marcelo disputou as suas primeiras eleições como número um da lista do PSD e do CDS-PP à Câmara de Lisboa. Foi durante esta campanha que protagonizou o inesquecível mergulho no Tejo, em frente às câmaras de televisão e para mostrar como o rio estava poluído. O gesto deu que falar, mas nem por isso lhe valeu a vitória.

Mas, além da liderança do partido e da experiência autárquica, não só em Lisboa, como em Cascais e Celorico de Basto, os 'corredores do poder' são bem conhecidos do professor, que foi deputado à Assembleia Constituinte, secretário de Estado da Presidência do Conselho de Ministros do VIII Governo Constitucional, vice-presidente do Partido Popular Europeu entre 1997 e 1999 e membro do Conselho de Estado durante quase dez anos.

A 'perninha' no jornalismo

Foi também durante anos, a par das suas carreiras académica e política, presença assídua no jornalismo. Começou a trabalhar no lançamento de um projeto de jornalismo económico, enquanto ‘geria’ com Daniel Proença de Carvalho e José Miguel Júdice, o Semanário. Daí saltaria para o Expresso, fundado pelo militante número um do PSD, Francisco Pinto Balsemão.

E aí deixou mais uma marca. Para lá da notoriedade conquistada, para a história ficaria outra frase de sua autoria, quando na secção 'Gente' do semanário, no meio de um texto, escreveu (fora de qualquer contexto) “o Balsemão é 'lelé' da cuca”. Tempos mais tarde, a relação entre os dois voltaria a sofrer novo abalo, quando Marcelo estava à frente do Expresso e Balsemão liderava o governo. Os mais duros ataques ao executivo eram, frequentemente, publicados precisamente naquele semanário.

Mas do mesmo ‘veneno’ haveria Paulo Portas de experimentar, enquanto diretor do Independente. À saída de uma reunião com o então Presidente da República (Mário Soares), Marcelo terá dito a Portas que tinha sido servida uma 'vichyssoise', uma informação que posteriormente se veio a confirmar ser falsa.

Mergulhos, gravatas e… medicamentos

Os mitos e manias de Marcelo são também do conhecimento dos portugueses: dorme pouco, toma banhos de mar no inverno, “escreve com as duas mãos ao mesmo tempo, dita dois textos em simultâneo, escreve artigos enquanto faz orais, diverte-se como uma costureira com os mexericos e fofocas”, revela a biografia ‘Marcelo Rebelo de Sousa’.

Mas há mais. O vício das gravatas, comum a todos os irmãos Rebelo, nunca chegar atrasado, o almoçar quase sempre uma sandes e um sumol de ananás e o jantar mozarella com tomate, o gostar de ópera e de vinho tinto, e o ser hipocondríaco. Aliás, visita com frequência farmácias para saber as novidades e para ler bulas de novos medicamentos.

O que esperar? "Pior do que Cavaco" é difícil mas...

“Marcelo é fundamentalmente um analista, um professor universitário,” que apesar da sua “experiência política” chega a Belém “com muito maior autonomia, inclusivamente perante os partidos políticos e aquilo que foi o seu próprio eleitorado”. A grande questão, na análise do politólogo António Costa Pinto, é saber “até que ponto, será um Presidente estritamente institucional” ou se vai tentar, “usando os seus poderes formais ou informais, fazer da Presidência uma instituição mais ativa sobre o sistema político”. Certo é que Marcelo vai ser “mais interventivo” e ensaiará “um modelo de muito maior proximidade com a sociedade portuguesa” e uma Presidência “com maior presença discursiva”.

No mesmo sentido segue a opinião de André Azevedo Alves. Se Cavaco teve uma “interpretação relativamente auto restritiva” do cargo, Marcelo acabará por ser “bastante mais ativo e interveniente, em especial em momentos de crise”. A contribuir para tal, explica, está “a forma como foi eleito e a relação bastante conturbada com a atual liderança do PSD”. “Seria ridículo dizer que de alguma forma Marcelo irá atuar como um agente de Passos Coelho”.

“O grande desafio será passar de um registo no qual, enquanto comentador e porque não tinha de decidir, podia construir um consenso muito alargado, para um quadro em que, sem se tornar um agente de fação e por ter de decidir, vai ter de assumir que não é possível agradar a toda a gente”.

No ramo político, o social-democrata Marques Mendes antecipa que vai ser "inevitavelmente diferente" do antecessor: será um Presidente da República de "proximidade, mediação e consensualização", enquanto para o comunista Carlos Carvalhas "pior do que Cavaco Silva vai ser difícil".

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