A ativista esteve hoje em Lisboa, a convite da associação Corações Com Coroa (CCC), onde contou a sua história e recordou os momentos que antecederam a saída do Afeganistão.
"Foi a coisa mais difícil que fiz até hoje. Nada me causou mais dor do que abandonar o meu país. Custou-me mais do que a morte do meu pai", contou às dezenas de pessoas que assistiam.
Além de ativista, Zarifa Ghafari foi política e empresária, tendo sido nomeada em 2019 como presidente da câmara de Maydan Shahr, capital da província afegã de Wardak, com apenas 26 anos.
Conhecida por defender os direitos das mulheres afegãs, Zarifa procurou demonstrar que nada do que os talibãs defendem tem base no Islão ou no Corão, sublinhando que a sociedade afegã respeita as mulheres e que o Corão não faz distinção entre homens e mulheres, referindo apenas seres humanos.
Tal como muitos outros afegãos, Zarifa deixou o Afeganistão depois de as forças internacionais terem saído do país e os talibãs terem tomado o poder pela força, receando pela própria vida, sendo que ela é uma sobrevivente a três tentativas de assassínio e viu o pai ser morto pelos talibãs.
Atualmente vive com a mãe e as irmãs na Alemanha, para onde fugiram e onde aguardam pelo estatuto de refugiado, mas a sua vida tem-se feito de viagens um pouco por todo o mundo para continuar a denunciar os atos terroristas que os talibãs têm levado a cabo e pressionar a comunidade internacional a não abandonar o povo afegão.
E foi a partir de Lisboa que Zarifa disse, com voz firme, que não tem medo dos talibãs e que quer sentar-se à mesa com eles e conversar.
"Ser corajoso não é bater em mulheres ou obrigá-las a vestir de preto ou de azul e a usar uma burca. Se pensam que isso é ser corajoso, então venham falar comigo", desafiou, sendo fortemente aplaudida pela assistência.
Recordou que depois da entrada dos talibãs em Cabul esteve três dias em estado de choque, acabando por sair do país dois dias depois.
"O momento mais difícil foi quando ia escondida para o aeroporto e vi como os talibãs batiam nas pessoas e como maltratavam a bandeira e a pisavam. Foi muito difícil. Ainda estou num pesadelo", contou.
Segundo Zafira, quando os talibãs mataram o pai foi com o objetivo de conseguir calar a sua voz, mas garantiu que esse é um objetivo que nunca vão alcançar a menos que a matem e explicou que a sua força e a sua coragem vêm de todas as mulheres do Afeganistão e das dificuldades por que todas elas passaram.
"A realidade das mulheres do meu país deu-me forças para lutar por elas", sublinhou, recordando a infância difícil em que a partir dos quatro anos teve de ajudar a tomar conta dos irmãos, mas também do "enorme orgulho" que o pai tinha por ela e de como dizia que ela era "a sua prece aceite por deus".
Sonhou ser embaixadora, mas quando conheceu a realidade no terreno não teve dúvidas de que queria lutar pelos direitos das mulheres afegãs, admitindo que não foi uma decisão fácil concorrer a um cargo no governo afegão.
Foi autarca até junho, tendo depois assumido um cargo junto do Ministério dos Negócios Estrangeiros afegão. No seu gabinete ficou "tudo o que tinha" e as "lutas de uma vida ficaram lá".
"Nada consegue explicar esta dor. Ainda tenho pesadelos, a dor não me deixa comer, dormir, descansar", disse, voltando a afirmar que o momento em que embarcou no avião que a retirou do Afeganistão foi mais doloroso do que o da perda do pai.
No entanto, voltar ao país é mais do que um objetivo, é uma meta e reafirmou que não tem medo dos talibãs, ao ponto de querer sentar-se e conversar com eles, apontando que o "falhanço das negociações" por parte da comunidade internacional foi causado por terem deixado o governo e o povo afegão de fora.
"Precisamos de começar a falar com eles e precisamos de pressão política. Se [os talibãs] são tão corajosos por bater em mulheres, sejam corajosos a falar comigo porque eu estou disponível para falar com eles".
Zafira acredita mesmo que se os talibãs deixarem as mulheres de lado não vão conseguir governar por muito tempo e terminou dizendo que se um dia tiver uma filha vai explicar-lhe que a liberdade dela era a razão pela qual lutava.
Leia Também: Costa homenageia militares e pede reflexão sobre 20 anos no Afeganistão