Num raro ato de violência armada no país, cujas ondas de choque se repercutiram por todo o mundo, Shinzo Abe foi alvejado quando discursava num evento de campanha para as eleições no próximo domingo.
Nas imagens dos momentos após o crime, divulgadas a nível internacional, foi possível ver o confesso homicida, detido no local, munido de uma arma artesanal, de fabrico caseiro.
"O suspeito disse guardar rancor contra uma certa organização e confessou ter cometido o crime porque acreditava que o antigo primeiro-ministro Abe estava relacionado com ela", declarou um oficial da polícia da região de Narra em declarações aos jornalistas, sem adiantar mais pormenores.
Discursando num comício eleitoral em plena rua em Nara, uma cidade no oeste do Japão, o político de 67 anos foi atingido pelas costas.
O suspeito detido pelo assassinato do antigo primeiro-ministro, que acabaria por confessar o crime, é um desempregado de 41 anos, identificado como Tetsuya Yamagami.
Devido à baixa taxa de criminalidade e de ataques com armas de fogo, os comícios eleitorais no Japão são geralmente realizados na rua e com poucas medidas de segurança.
Abe foi primeiro-ministro em 2006, durante um ano, e novamente de 2012 a 2020, batendo recordes de longevidade na liderança do Japão.
Shinzo Abe tornou-se conhecido a nível internacional sobretudo pela política económica, apelidada de "Abenomics", lançada no final de 2012 e que combinava a flexibilização monetária, estímulos fiscais maciços e reformas estruturais.
Conseguiu alguns êxitos, tais como um aumento significativo da taxa de participação das mulheres e dos cidadãos idosos na força de trabalho, bem como um maior recurso à imigração face à escassez de mão-de-obra.
No entanto, sem reformas estruturais suficientes, a 'Abenomics' só produziu êxitos parciais.
Tendo construído parte da sua reputação com base na posição dura sobre a Coreia do Norte, Abe também assumiu um Japão descomplexado com o passado: em particular, recusou-se a carregar o fardo do arrependimento pelos abusos do exército japonês na China e na península coreana na primeira metade do século XX.
No entanto, absteve-se de visitar como primeiro-ministro o santuário Yasukuni de Tóquio, um foco do nacionalismo japonês, depois da sua visita a esse templo no final de 2013 ter indignado Pequim, Seul e Washington.
Algumas leis aprovadas por Abe, nomeadamente sobre o reforço da proteção dos segredos de Estado, a expansão das missões das Forças de Auto-Defesa Japonesas e o reforço da luta contra o terrorismo, causaram controvérsia no Japão, levando mesmo a grandes manifestações, raras no país.
Por outro lado, manteve-se durante muito tempo focado na esperança de organizar os Jogos Olímpicos de Tóquio no verão de 2020, que seria o ponto alto do seu último mandato, contrariando a maioria da opinião pública. Os Jogos Olímpicos de Tóquio acabaram por ter lugar um ano mais tarde, à porta fechada, por causa da pandemia de covid-19.
As ondas de choque devido ao seu desaparecimento rapidamente correram o mundo. Através do seu porta-voz, o secretário-geral da ONU, António Guterres, frisou que o ato "chocou profundamente a sociedade japonesa, num país com uma das taxas mais baixas de violência armada".
"Atordoado, chocado e profundamente entristecido" com a notícia, o Presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, sublinhou que "a violência armada marca sempre profundamente as populações que são suas vítimas". A morte de Abe deu-se na mesma semana do mortífero tiroteio no dia da Independência dos Estados Unidos, 04 de julho, em Highland Park (Chicago).
O presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, denunciou o ataque cobarde contra Shinzo Abe, que considerou "um verdadeiro amigo e feroz defensor da ordem multilateral e dos valores democráticos".
A líder da Comissão Europeia, Ursula von der Leyen, descreveu o ex-primeiro-ministro japonês como "uma pessoa maravilhosa, um grande democrata e campeão da ordem mundial multilateral", adiantando que o seu "assassínio brutal e cobarde está a chocar o mundo inteiro".
O ministro dos Negócios Estrangeiros português, João Gomes Cravinho, aproveitou o trágico fim de Abe para deixar a mensagem de que "não há lugar para a violência na política".
Em nome do Governo japonês falou o primeiro-ministro japonês, Fumio Kishida, cujo mentor político foi Abe.
"Temos absolutamente de defender eleições livres e justas [marcadas para domingo], que são o fundamento da democracia", justificou Kishida, ministro dos Negócios Estrangeiros de Abe entre 2012 e 2017.
"Nunca cederemos à violência", prometeu Kishida numa declaração emocionada aos jornalistas.
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