Acontecimentos não derrubaram rivalidades de 12 anos de conflito na Síria

Os sismos destruíram indistintamente as áreas dominadas pelos diferentes atores do conflito sírio, mas deixaram intactas as inimizades internas quando se pensava que os terramotos trariam gestos altruístas entre rivais, o que complicou o envio de ajuda humanitária.

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© REUTERS/Mahmoud Hassano

Lusa
12/02/2023 14:42 ‧ 12/02/2023 por Lusa

Mundo

Sismo

A tragédia assolou as frentes de combates que dividem as áreas rebeldes e da oposição no noroeste da Síria e as que se encontram nas mãos do regime de Bashar al-Assad, os dois principais intervenientes na guerra iniciada em 2011 após as revoltas populares desencadeadas contra Damasco na altura da chamada "Primavera Árabe".

No entanto, refere a agência noticiosa espanhola EFE, mal afetou as áreas controladas pelos curdos no nordeste da Síria, rivais de ambos os lados.

A autoproclamada Administração Autónoma da Síria do Norte e do Leste (curda) enviou dois 'comboios' com ajuda humanitária para áreas controladas por Damasco na província de Alepo, no noroeste, mas ambos ainda estão parados no cruzamento de Al Tayha a aguardar "aprovação para entrar", confirmaram as autoridades locais na rede social Twitter.

O mesmo acontece com outro carregamento destinado às áreas opositoras rebeldes, as mais afetadas pelos terremotos, que está retido há dias num posto improvisado de fronteira.

A assistência humanitária para as áreas rebeldes foi direcionada para a província de Idlib, maioritariamente para Afrin, uma cidade muito afetada pela catástrofe e que a Turquia e respetivas milícias aliadas tomaram aos sírios curdos durante uma ofensiva transfronteiriça lançada em 2018.

Na passada sexta-feira, as Forças Sírias Democráticas (FSD), uma aliança armada liderada pelos curdos e afiliada na Administração Autónoma, acusaram "fações armadas apoiadas pelos turcos" de bloquear a passagem do 'comboio humanitário'  "pelo quinto dia consecutivo".

"Negar o acesso à ajuda a quem precisa é considerado pelo direito internacional como um crime contra a humanidade", denunciaram as FSD em comunicado.

Ancara considera o principal componente das FSD, as Unidades de Proteção Popular (YPG), que têm sido alvo das principais operações turcas na Síria nos últimos anos, um grupo terrorista, ameaçando-o com uma nova ofensiva há apenas três meses, depois de os responsabilizar por um ataque terrorista em Istambul.

Outra ajuda doada pelos curdos à província de Alepo e que o regime de al-Assad impediu de passar na passagem de Al Tahya não teve muito mais sorte.

"O regime exige obter 50% da ajuda antes de permitir que continue. O 'comboio humanitário' inclui camiões cisterna com combustível e material e equipamento para as equipas de resgate, aléwm de alimentos, material médico-hospitalar oferecido pelo Crescente Vermelho Curdo", disse o diretor do Observatório Sírio de Direitos Humanos, Rami Abderrahman.

Segundo o responsável da ONG, com sede no Reino Unido e com uma vasta rede de colaboradores no terreno, Damasco acabou por deixar passar apenas o combustível, um bem escasso no país, e o carregamento foi encaminhado para zonas nas mãos das forças governamentais sírias.

No sábado à noite, a rede de jornalistas Rojava Information Center (RIC) conversou com membros de um 'comboio humanitário' curdo do Crescente Vermelho, a quem o Governo sírio exigiu que entregasse metade de suprimentos, incluindo uma ambulância, a fim de as afetar às áreas afetadas pelo terremoto.

Por sua vez, o governo sírio anunciou que está disposto a levar ajuda a áreas de oposição, incluindo Idlib, considerado o último reduto rebelde do país árabe e onde vigora um cessar-fogo desde 2020, apenas respeitado pela metade.

Fonte diplomática, que solicitou anonimato, indicou à EFE que está a caminho de Idlib um 'comboio humanitário' enviado diretamente pelo executivo de al-Assad para entrar para doar ajuda a áreas nas mãos dos rebeldes, com quem a entrega foi negociada através da mediação dos Emirados Árabes Unidos (EAU).

O 'comboio humanitário' esteve na noite de quinta-feira em Saraqib, zona reconquistada por Damasco há três anos, à espera de sinal verde para entrar em território rebelde que, até há apenas uma semana, era regularmente alvo da artilharia de Damasco e de bombardeamentos da aliada Rússia. 

No entanto, a entrega ainda não ocorreu, presumivelmente devido à rejeição da ajuda por parte de alguns dos grupos que operam na região, a maioria sob a égide da aliança islâmica Organismo de Libertação do Levante (OLL).

É muito possível, sustenta a EFE, que o emaranhado de inimizades sírias também esteja por trás do atraso na chegada da ajuda da ONU à área, acessível apenas diretamente pelo outro lado da fronteira turca ou por áreas sírias em mãos de atores rivais.

As Nações Unidas, que enviaram apenas três 'comboios humanitários' transfronteiriços para a região em quase uma semana de emergência, apresentaram argumentos vagos para o atraso, como os danos causados sismos em estradas que outras fontes confirmaram desde o início estarem transitáveis.

Sábado, a Organização Mundial da Saúde (OMS) indicou que esperava "luz verde" para trazer ajuda das áreas de Damasco, sem especificar de quem deveria vir a aprovação.

O Governo de al-Assad sempre se opôs ao envio diretos de ajuda a partir da Turquia, que faz fronteira com Idlib, e exige que toda a ajuda às regiões de oposição passe pelas suas mãos, posição que Moscovo se encarregou de impor ao Conselho de Segurança da ONU em nome do seu aliado.

Leia Também: Síria. Maioria de civis entre os 11 mortos em ataque atribuído a EI

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