Christian Odendahl, editor de economia europeia da revista The Economist, afirmou que a esperada 'grande coligação' entre CDU e SPD "tem agora a tarefa de transformar a Alemanha", durante um debate promovido pelo 'think-tank' Chatham House sobre o tema: 'Poderá a Alemanha continuar a ser a força motriz da Alemanha?'.
No entanto, sinalizou, foram estes dois partidos -- que governaram coligados em dois dos três mandatos de Angela Merkel (CDU) -, "que criaram esta confusão", com "falta de investimento e de reformas económicas".
"Estão a dar poder aos que não prepararam bem a Alemanha para o futuro", argumentou o jornalista, para quem a campanha eleitoral, muito focada no debate sobre a migração, "não preparou os eleitores alemães para o que está prestes a cair-lhes em cima", como "reformas duras e cortes na despesa".
O especialista em economia europeia advertiu ainda que a CDU não é um partido tipicamente reformista: "Os conservadores alemães não têm um histórico de reformas, não fizeram nada de significativo desde a década de 1960. Agora têm de provar que conseguem".
"Esta nova coligação não tem ainda um plano, uma narrativa", disse, mostrando-se pouco otimista: "Não espero que seja uma coligação de reformas que a Alemanha precisa".
A Alemanha realizou no domingo passado eleições federais antecipadas, nas quais a União Democrata-Cristã (CDU)/União Social-Cristã (CSU) venceram com 28,5% dos votos, seguida da Alternativa para a Alemanha (AfD), com 20,8%, o dobro do resultado nas legislativas de 2021.
O Partido Social-Democrata (SPD), do chanceler cessante, Olaf Scholz, teve 16,4%, enquanto os Verdes, parceiros de coligação, obtiveram 11,6% dos votos. A Esquerda registou uma grande subida, para 8,8% dos votos.
De fora do Bundestag (câmara baixa do parlamento alemão), por terem falhado o limiar mínimo de 5%, ficaram os liberais do FDP -- antigo parceiro da 'coligação-semáforo', que colapsou em novembro passado devido a falta de acordo sobre o orçamento, antecipando as eleições em sete meses -, bem como a Aliança Sahra Wagenknecht (BSW), partido de esquerda populista criado há um ano.
Para os analistas, o resultado das eleições federais alemãs, que colocaram a extrema-direita como segunda força política, "podia ter sido pior". Os partidos do centro recusam acordos com a AfD, impondo um 'cordão sanitário' contra a extrema-direita.
"O sentimento geral é que podia ter sido pior, mas podia ter sido melhor. Toda a gente espera que a coligação [entre CDU e SPD] garanta estabilidade", considerou Thu Nguyen, vice-diretora do Jacques Delors Centre.
"A AfD tem o resultado mais forte, duplicou. Penso que eles esperavam 22-25%, podia ter sido pior, mas este resultado é enorme para eles", sustentou Thu Nguyen.
Sobre o partido de extrema-direita, o investigador do Europe Programe Nicolai von Ondarza considerou que não é expectável que caminhe para posições mais moderadas.
"Eles ganharam por se tornarem mais radicais, não mais moderados. Deixaram de esconder a remigração, propõem deixar a União Europeia, são próximos da Rússia de Putin", comentou, sublinhando que "este programa teve 10 milhões de votos, ganhou quase todas as circunscrições na Alemanha do Leste".
Von Ondarza sublinhou que o próximo Governo alemão, que deverá ter como chanceler o líder conservador Friedrich Merz, será "uma última oportunidade".
"A CDU sabe que, se não correr bem desta vez, a Afd poderá governar no futuro", referiu o investigador, que sustentou que, por isso, "a disponibilidade da CDU para fazer reformas e ser um condutor mais radical de mudança, será maior desta vez".
O analista admitiu ser "difícil ver o 'cordão sanitário' manter-se se a AfD continuar a subir na próxima legislatura, o que é bastante provável".
Thu Nguyen concordou: "Merz percebeu que tem de conter a AfD até 2029, como Macron sobre Le Pen em 2027".
A especialista disse esperar que "estratégia de Merz funcione", sublinhando: "É muito importante que a democracia na Alemanha se aguente".
Face à crise económica que a Alemanha enfrenta, após dois anos de recessão, destacou Christian Odendahl, CDU e SPD poderão tentar, nas próximas semanas até à formação do próximo executivo, promover uma mudança na Constituição para permitir uma reforma no travão da dívida.
"Isto é pouco ortodoxo, mas a situação é tão dramática que até a CDU diz que isto não pode continuar", considerou.
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