"Como já vai sendo habitual, a Europa aparece dividida. O Sr. [Presidente francês Emmanuel] Macron reúne a Europa aos solavancos", destacou à Lusa António Martins da Cruz, sobre as reuniões convocadas pela França para discutir a Ucrânia e a segurança europeia, com a primeira a ter decorrido na segunda-feira e, uma segunda reunião, a estar marcada para quarta-feira.
"Alguns países vão estar presentes. Outros é por vídeo. Portanto, já temos reuniões não só aos solavancos, como com duas medidas. (...) E, além disso, há países, aparentemente, que não vão estar presentes", sublinhou.
Na segunda-feira, Macron reuniu-se em Paris com os principais líderes da União Europeia (UE), da NATO e do Reino Unido. Tal como na primeira reunião, Portugal estará também ausente do segundo encontro, assim como outros Estados-membros da UE, como Bulgária, Irlanda ou Croácia.
"Se estiver ausente, é mau. É mau para Portugal", vincou o ex-ministro dos Negócios Estrangeiros, questionando quem representa os portugueses: "Nós estamos lá [na UE] desde o dia 01 de janeiro de 1986. Portanto, nós somos um país europeu e um país importante. Foi o que veio cá dizer o secretário-geral da NATO [Mark Rutte] recentemente".
O antigo diplomata, que foi embaixador na NATO nos anos 90 e depois chefe da diplomacia portuguesa (2002-2003), frisou também que Europa deve decidir a forma como quer participar numa mesa das negociações sobre a guerra entre a Rússia e a Ucrânia.
"A Europa quer fazer parte das negociações. O enviado americano para a Ucrânia, na conferência de Munique, já disse que a Europa não tem lugar, pelo menos numa primeira fase, à mesa das negociações. Não sabemos se estará na sala ao lado, se é informada e dá a sua opinião. Se não está. Mas também não sabemos que Europa. Qual é a Europa que vai estar na mesa das negociações?", analisou.
"A Europa diz que quer participar, mas não sabemos. A Europa ainda não se entendeu como é que quer participar", insistiu, considerando também difícil, atualmente, existir uma Europa a uma só voz, principalmente "em temas de política externa".
Martins da Cruz lembrou também que ainda não começaram negociações de paz para a Ucrânia, destacando que as conversações hoje em Riade, entre russos e norte-americanos, serviu sobretudo para "normalizar as relações entre os dois países" e que "a Ucrânia nem foi o tema mais importante".
"Depois, o que foi decidido foi que cada lado nomeava uma equipa para começar a abordar as questões da paz na Ucrânia. O único país que podia reunir-se com a Rússia para começar a falar da paz na Ucrânia eram os Estados Unidos. Não era, seguramente, nenhum país europeu. O Sr. Macron já tinha tentado. O chanceler [alemão, Olaf] Scholz já tinha agarrado no telefone e falado com o Putin. Nada disso deu nada. Porquê? Porque a Rússia, obviamente, só falava com os Estados Unidos", vincou.
O antigo embaixador português na NATO considerou ainda normal os Estados Unidos poderem estar já a debater "temas que dizem respeito a futuras negociações de paz".
"São provavelmente o único país que pode fazer isso. O único país que pode fazer isso por uma razão, porque os Estados Unidos, se querem organizar negociações de paz, não podem ser aliados da Ucrânia. Para serem mediadores, têm que ser neutros", explicou.
"É normal que quer de um lado americano, quer do lado russo, se estejam a avançar hipóteses", acrescentou.
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