O juiz, tido por independente, foi obrigado a interromper as investigações em janeiro de 2023, deparando-se com a hostilidade de uma grande parte da classe política, nomeadamente da ala política do então todo-poderoso partido Hezbollah, bem como com uma série de processos judiciais, inclusive do próprio poder judicial.
O reinício das investigações, que incluem processos contra sete oficiais de alta patente e três funcionários portuários, ocorre depois de o novo Presidente libanês, Joseph Aoun, e o seu primeiro-ministro, Nawaf Salam, se terem comprometido a garantir a independência do poder judicial, tudo possibilitado pelo enfraquecimento do Hezbollah após a guerra devastadora contra Israel e a queda de Bashar al-Assad na Síria.
A gigantesca explosão de 04 de agosto de 2020, que as autoridades libanesas têm atribuído oficiosamente a um incêndio num depósito no porto onde se encontravam armazenadas cerca de 2.750 toneladas de nitrato de amónio, provocou mais de 220 mortos e cerca de 6.500 feridos, deixou mais de 300.000 pessoas desalojadas e ainda mais de duas dezenas de desaparecidos.
As causas exatas da explosão, uma das maiores não nucleares da história, e que devastou bairros inteiros da capital, ainda são desconhecidas, assim como a identidade dos responsáveis.
Bitar "retomou as investigações sobre o caso e apresentou acusações contra três funcionários do porto e sete oficiais de alta patente do exército, da segurança geral e das alfândegas", disse à AFP uma fonte judicial sob condição de anonimato.
Os interrogatórios terão início a 07 de fevereiro. Estão igualmente previstas sessões de interrogatório para março e abril com outros arguidos, incluindo antigos ministros e deputados.
Segundo a mesma fonte, Bitar tenciona encerrar o inquérito e entregá-lo ao Procurador-Geral junto do Tribunal de Cassação para que este examine o caso com vista à formulação de uma acusação.
Todos os anos, a 04 de agosto, milhares de libaneses manifestam-se nas ruas para denunciar a obstrução da justiça à investigação da mortífera explosão no porto de Beirute, acusando a classe política de criar obstáculos à investigação da tragédia.
"A investigação da explosão está a ser dificultada pelas autoridades políticas e por alguns juízes que as apoiam", afirmou em janeiro de 2023 Cécile Roukoz, uma das advogadas que representa as famílias das vítimas e que perdeu o irmão na explosão.
O primeiro juiz encarregado da investigação em 2020 foi obrigado a abandonar o processo depois de acusar o antigo primeiro-ministro, Hassan Diab, e três antigos ministros.
Em 2021, o seu sucessor, Tarek Bitar, concentrou-se nos políticos, mas o Parlamento recusou-se a levantar a imunidade dos deputados acusados, o Ministério do Interior opôs-se ao interrogatório de oficiais superiores e as forças de segurança não tiveram ordem para executar os mandados de captura.
Bitar foi também obrigado a suspender a investigação durante 13 meses, devido a dezenas de ações judiciais intentadas contra ele por políticos e a pressões intensas.
No entanto, em janeiro de 2023, para surpresa geral, retomou o seu trabalho, acabando por ser processado por insubordinação pelo Ministério Público, depois de ter acusado várias personalidades de alto nível, facto inédito na história do Líbano.
Na ocasião, a tentativa de Bitar de retomar a investigação foi frustrada pelo procurador público do Líbano, Ghassan Oueidat, que foi acusado pelo juiz no caso da explosão do porto e convocado durante a investigação.
Oueidat entrou com uma ação contra Bitar, suspendendo a investigação, e ordenou a libertação de todos os 17 suspeitos detidos em conexão com o caso. Desde então, pelo menos um suspeito fugiu do país.
O Presidente francês, Emmanuel Macron, que visitou Beirute no dia seguinte à explosão, e voltará na próxima sexta-feira ao Líbano, garantiu então o apoio jurídico de Paris para a investigação e financeiro para a reconstrução.
Em 2023, tal como o Departamento de Estado norte-americano, Macron considerou "inaceitável" a "falta de progressos" na investigação, sublinhando "a necessidade de uma reforma judicial".
Também em janeiro de 2023, 300 organizações não-governamentais, incluindo a Human Rights Watch (HRW) e a Amnistia Internacional, bem como familiares das vítimas, renovaram o apelo a uma comissão internacional de inquérito independente.
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