Stefan diz que conseguiu registar o principado antártico da Jugoslávia para defender um país extinto nos anos 1990, Pietro quer ser um homem-aranha para escalar as colunas e Rafael monta todos os dias a sua tenda a menos de 20 metros da praça, depois de pedir esmola durante o dia, uma tradição familiar que deve desaparecer consigo.
No total, estimam-se em 250 o número de sem-abrigo que vivem na órbita do Vaticano, que, através de uma decisão do Papa Francisco, os autoriza a dormir nas zonas cobertas, dá refeições através da Comunidade de Santo Egídio ou procura reinseri-los na sociedade.
Rafael Cardenni não quer ser reinserido. "Eu peço esmola, mas estou bem. As pessoas são generosas comigo e estou perto do Senhor".
Filho e neto de pessoas que também pediram nas ruas de Roma, Rafael diz que o número de pessoas necessitadas aumentou.
"Eu cheguei a ter trabalho, mas não conseguia pagar casa. Como fiquei sem abrigo, quem é que vai dar trabalho a quem não está bem arranjado? Voltei a pedir, como fez a minha mãe para me sustentar a mim e aos meus seis irmãos, e não me arrependo", explica.
Essa tradição familiar vai terminar consigo, promete o homem de 56 anos. "Não tenho filhos, não fui feito para ser pai".
Tem uma tenda de campismo, comprada nova há poucos meses para "aguentar o frio do inverno", e dorme onde consegue.
"Nós podemos dormir ali - apontando para as colunatas que delimitam a praça de São Pedro - mas, durante o dia, temos de sair por causa dos turistas. Esse é o acordo", explica.
O acordo a que se refere foi a ordem dada pelo Papa Francisco aos serviços do Vaticano que não expulsassem os sem-abrigo, mendigos ou não.
O Papa está internado desde 14 de fevereiro com uma pneumonia e Rafael reza pelo líder da Igreja: "Ele é um bom homem, melhor do que muitos que por aí andam".
Sentado perto da entrada do Dicastério da Cultura e Educação, que é liderado pelo cardeal português Tolentino de Mendonça, está todos os dias Stefan, com uniforme e uma bandeira da Jugoslávia, à espera de uma audiência na Santa Sé que diz ter pedido.
"Quero que reconheçam que a Jugoslávia ainda existe. No sítio onde eu vivia, agora dizem que se chama Croácia, mas a Jugoslávia ainda existe" e aponta para um mapa da Antártida.
Aí está indicada uma base da antiga Jugoslávia na Antártida que Stefan diz ter conseguido registar como principado na justiça italiana.
"Se há um principado, há um país", insiste, recusando a nacionalidade croata a que teria direito.
Do outro lado da praça, enquanto Stefan falava com a Lusa, um homem mascarado de Homem-Aranha escalava, sem autorização, as colunatas.
Detido pelos guardas, Pietro levava uma bandeira arco-íris (evocativa das causas LGBTQ) nas mãos, mas não foi esse o tema que invocou para o protesto.
"É Carnaval, São Pedro também tem de ser um local de diversão", disse.
Todos os dias, passam pela praça milhares de pessoas, entre peregrinos ou simples turistas, que seguem em longas filas.
Ao lado dos grandes aglomerados, há sempre alguém que pergunta: "Quer furar a fila"?. Uma espécie de abordagem que sugere alguma ilegalidade, mas que está a associada a simples pré-reservas das visitas.
"Esses sim é que roubam os turistas. Prometem que é mais fácil, mas se as pessoas pagarem diretamente e programarem poupam dinheiro", diz Rafael Cardenni.
"Eu só peço. Se as pessoas quiserem dar, eu aceito", conclui.
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