O veredicto é aguardado com muita expectativa em Itália e particular ansiedade no partido liderado por Salvini, a Liga, com vários responsáveis desta formação partidária de extrema-direita -- que integra a coligação governamental atualmente no poder -- a intensificarem nos últimos dias os ataques ao poder judicial, que acusam de estar "politizado", e a advertirem que o partido "está preparado a mobilizar-se" em caso de condenação do seu líder.
"Esta sexta-feira, daqui a dois dias, entrarei de cabeça erguida no tribunal de Palermo, onde arrisco SEIS ANOS de prisão por ter defendido o meu país enquanto ministro do Interior", escreveu hoje o próprio Salvini numa publicação na sua conta oficial na rede social X, seguida de uma outra na qual agradece todo o apoio dos "aliados dos Patriotas pela Europa", a bancada de extrema-direita no Parlamento Europeu ao qual pertence a Liga, e que tem repetidamente saído em defesa do vice-primeiro-ministro italiano.
Garantindo que está "orgulhoso" do que fez para "travar a imigração ilegal", e que "voltaria a fazê-lo", Matteo Salvini disse esperar "que os três juízes que vão decidir não sejam militantes de nenhum partido e decidam de acordo com a lei", e comentou que, "em caso de condenação, não importa se seis anos, se seis dias, tal seria um sinal devastador, a favor dos traficantes de pessoas".
Os factos remontam a 2019, quando o atual vice-primeiro-ministro e ministro dos Transportes era ministro do Interior, no primeiro governo de Giuseppe Conte (Movimento 5 Estrelas), que durou pouco mais de um ano, tendo a sua curta era enquanto responsável pela pasta dos Assuntos Internos ficado marcada por uma política de fortes restrições em relação à imigração, que incluiu o encerramento dos portos italianos aos navios de organizações não-governamentais (ONG) que resgatam náufragos no Mediterrâneo.
Ao abrigo desta política, no início de agosto de 2019, Salvini impediu o desembarque, em portos italianos, de 147 migrantes que haviam sido resgatados no Mediterrâneo e se encontravam a bordo do navio da ONG espanhola Open Arms.
O impasse durou 20 dias, até que a justiça interveio para permitir finalmente o acesso do navio ao porto da ilha italiana de Lampedusa, a sul da Sicília, e o desembarque dos 83 migrantes que permaneciam a bordo, uma vez que os restantes tinham sido retirados mais cedo, gradualmente, por razões médicas.
O Ministério Público de Palermo, na Sicília, pediu uma pena de seis anos de prisão para o antigo ministro do Interior, salientando que "a recusa consciente" de impedir o desembarque dos migrantes do navio da Open Arms "prejudicou a liberdade pessoal de 147" imigrantes "sem uma razão compreensível".
A defesa de Salvini alegou, por seu lado, que o navio da organização humanitária espanhola poderia ter desembarcado em Espanha os migrantes intercetados na costa italiana, argumentando que o navio humanitário "recusou" seguir as instruções do Governo de Espanha, que inicialmente ofereceu o porto de Algeciras para desembarque, alegando ser distante, rejeitando também uma segunda proposta, mais próxima, em Palma, e sugeriram que a ONG tinha um objetivo político quando resgatou os migrantes.
De acordo com as autoridades italianas, os países de bandeira dos navios são os responsáveis por receber os migrantes, pelo que o desembarque deveria ter-se realizado num porto espanhol.
O desfecho deste julgamento sobre a política de "portos fechados" levada a cabo por Salvini em 2019 ocorre num contexto em que o novo executivo de que faz parte -- liderado pelo partido pós-fascista Irmãos de Itália, da primeira-ministra Giorgia Meloni, e ainda o partido de centro-direita Força Itália, de Antonio Tajani -- também tem como uma das suas grandes bandeiras o combate à imigração ilegal.
Desde 2023 que as diversas ONG que operam no Mediterrâneo denunciam o que classificam como "uma política de guerra" que lhes é dirigida pelo atual Governo italiano, em funções desde finais de 2022, que acusam de restringir o acesso humanitário no Mediterrâneo Central, considerada a rota migratória mais perigosa do mundo.
Na semana passada, a organização Médicos Sem Fronteiras anunciou a suspensão das operações do seu navio humanitário "Geo Barents" no Mediterrâneo Central devido às "leis absurdas" do Governo italiano liderado por Meloni, que dificultam as operações de salvamento por parte das ONG no Mediterrâneo, ao impor medidas como a obrigatoriedade de os navios desembarcarem os migrantes somente nos portos determinados pelas autoridades e a impossibilidade de procederem a mais de uma operação de salvamento, prevendo ainda o bloqueio dos navios que desrespeitem as regras, algo que já sucedeu por diversas vezes com a embarcação "Geo Barents".
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