Da Esquerda à Direita, a generalidade dos partidos concordaram, esta sexta-feira, existir a necessidade de haver uma reflexão sobre as regras de conduta dos deputados, depois de, na quinta-feira, a deputada do Chega Diva Ribeiro ter acusado a socialista Ana Sofia Antunes, que é cega, de apenas conseguir "intervir em assuntos que, infelizmente, envolvem deficiência". A bancada do partido encabeçado por André Ventura foi ainda criticada por ter proferido vários insultos dirigidos à ex-secretária de Estado da Inclusão quando os microfones estavam desligados.
Esta manhã, todas as bancadas marcaram conferências de imprensa para condenarem a conduta do Grupo Parlamentar do Chega, depois de a bancada ter tecido inúmeros insultos a vários deputados, tendo mesmo declarado injúrias como "aberração", "drogada" ou "pareces uma morta" contra Ana Sofia Antunes, tal como comprovou um repórter no local.
Entretanto, o Partido Socialista (PS) anunciou que vai propor alterações ao código de conduta dos deputados para incluir novas sanções, pretendendo ainda que o presidente da Assembleia da República, José Aguiar-Branco, peça desculpa à deputada Ana Sofia Antunes, em nome do Parlamento.
"O grupo parlamentar do PS e outros grupos parlamentares já levaram várias destas situações às conferências de líderes, à comissão de transparência e estatuto de deputados e têm manifestado a sua indignação e repúdio dentro do plenário e nas comissões, mas sem sucesso", disse a líder parlamentar dos socialistas, Alexandra Leitão, que confessou que estes comportamentos "têm vindo a piorar".
"O desrespeito, a má educação, a grosseria, a falta de empatia a que assistimos na AR pela mão do Chega, além de pôr em causa a dignidade do Parlamento e da Democracia, é um péssimo exemplo que estamos a dar aos nossos jovens. Para quem apela à ordem, o Chega é mesmo o oposto disso", disse.
O secretário-geral do PS, Pedro Nuno Santos, acusou o Chega de ser "um bando de delinquentes" que não respeita ninguém e que trouxe "má educação e grosseria" ao Parlamento, ao mesmo tempo que considerou que é preciso "dizer basta" a este partido.
"Já o disse uma vez e digo novamente: temos um bando de delinquentes no Parlamento que não respeitam ninguém, não respeitam os colegas de trabalho, não respeitam o Parlamento, não respeitam os jornalistas, não respeitam quem lhes paga o salário, que são os portugueses", disse.
Por seu lado, o líder do Chega, André Ventura, disse que ponderará se aceita uma revisão do código de conduta dos deputados para introduzir novas sanções, e admitiu fazer autocrítica sobre comportamentos, mas considerou-se o mais ofendido por insultos no Parlamento.
Numa alusão a outras forças políticas, sobretudo às de Esquerda, André Ventura acusou-as de "estarem a fazer choradinhos durante a manhã toda de hoje" com queixas contra o Chega e procurou desdramatizar o episódio de quinta-feira à tarde, em plenário, com a deputada socialista Ana Sofia Antunes.
"Se há partido que tem sofrido na pele esses ataques, esse partido é o Chega. Nunca houve nenhum líder tão insultado como o do Chega. E nunca houve nenhum partido tão insultado na Assembleia da República como o Chega", advogou.
Em relação a insultos proferidos no Parlamento, admitiu eventualmente fazer "mea-culpa", mas recusou em absoluto que "o grande problema da democracia seja o Chega".
O líder parlamentar do Bloco de Esquerda (BE), Fabian Figueiredo, classificou o episódio de quinta-feira como inaceitável, alertando que o Parlamento "não pode tolerar a discriminação violenta, o bullying, a agressão verbal".
O BE apontou ainda pretender que o presidente do Parlamento "se solidarize de forma pública e institucional" com a deputada Ana Sofia Antunes e todos os visados no plenário, condenando o Chega, e que a conferência de líderes inicie "uma reflexão" de como lidar com estas situações.
A porta-voz dos bloquistas, Mariana Mortágua, frisou que todos sabem a diferença "do que era a Assembleia da República antes, do que era o comportamento dos deputados antes, no plenário, do que era o ambiente que se vivia no debate democrático e daquilo que é hoje, da agressividade de hoje, da degradação do nível do debate de hoje", e sublinhou que "esta degradação tem um único responsável, é o Chega".
"O que o Chega está a dizer ao país e está a dizer aos seus apoiantes é que é aceitável insultar deputadas por serem negras, que é aceitável insultar deputadas por serem deficientes, que é aceitável insultar. E isto não é um problema de má formação, é um problema de estratégia política", criticou.
Mariana Mortágua disse ainda ter a certeza que de muitos dos que votaram no Chega "têm vergonha destes comportamentos, têm vergonha desta banalização da violência, do insulto, do ódio e que hoje se arrependem de ter votado no Chega".
O deputado António Filipe, do Partido Comunista Português (PCP), disse concordar com a discussão deste assunto em conferência de líderes, e defendeu que o Chega deve um pedido de desculpas ao Parlamento e ao país. Afirmou, além disso, que os acontecimentos de quinta-feira em plenário representaram o "ponto mais baixo" atingido pelo partido de André Ventura e defendeu que o presidente da Assembleia da República não deve ser excluído deste debate.
Já o deputado e porta-voz do Livre, Rui Tavares, acusou Aguiar-Branco de "parcialidade em relação a um grupo parlamentar porque é maior, faz muito barulho e se calhar mete mais medo", numa alusão ao Chega.
O deputado recordou que o Parlamento tem, a pedido do Livre, um dossier comparado sobre o que é feito em outros parlamentos democráticos, incluindo o Parlamento Europeu, pedindo que este seja a base do trabalho a fazer na Assembleia da República.
A deputada única do PAN, Inês Sousa Real, disse acompanhar a iniciativa do PS de revisão do código de conduta para combater comportamentos que, na quinta-feira, "atingiram um patamar absolutamente inqualificável".
“Não será o Chega que nos vai intimidar", disse, quando questionada quanto à possibilidade de serem aplicadas sanções, tendo acusado o partido liderado por André Ventura de fazer "um bloqueio aos trabalhos parlamentares".
Pela Iniciativa Liberal (IL), o deputado Mário Amorim Lopes considerou o episódio de quinta-feira "um dos mais indignos e aviltantes de que há memória" e defendeu que os chamados apartes devem ser do conhecimento público.
"Estamos sempre disponíveis para rever o código de conduta; se o melhor são sanções ou não, não sabemos. A primeira abordagem será a transparência: que todos os portugueses possam ouvir os insultos dirigidos no plenário", disse.
Já o líder parlamentar do Partido Social Democrata (PSD), Hugo Soares, considerou que será difícil legislar contra a falta de educação e urbanidade na Assembleia da Republica, tendo defendido que devem ser os eleitores a julgar o comportamento dos deputados. Ressalvou, contudo, que quer a linguagem parlamentar, quer os apartes registados na quinta-feira e em outras ocasiões "ultrapassam todos os limites das regras da convivência, da educação e da urbanidade".
"Tenho sérias dúvidas de que isto sejam matérias passíveis de serem reguladas. Não há forma de regular a falta de educação", disse, deixando um apelo à consciência individual dos deputados e dos líderes parlamentares para que possam "contribuir para o prestígio das instituições".
Questionado sobre as críticas do PS e de outras bancadas à forma como o presidente da Assembleia da República tem gerido situações como esta, Hugo Soares fez questão de se solidarizar com Aguiar-Branco, recordando que na quinta-feira não era ele quem presidia aos trabalhos.
"Tem tido uma postura absolutamente impecável dentro daquilo que são os limites dos poderes da sua atuação e dentro daquilo que é o bom senso. Tem procurado sempre intervir quando deve e quando o regimento lhe permite e tem procurado contribuir para um não exaltamento dos ânimos. Não posso acompanhar as críticas ao sr. presidente da Assembleia da República", afirmou.
Por sua vez, o líder parlamentar do CDS, Paulo Núncio, considerou que nem só o Chega profere apartes insultuosos em plenário, mas também as bancadas da "extrema-esquerda", e acusou o PS de hipocrisia em matéria de degradação do debate político.
"Certamente que também fazemos apartes, mas são apartes que estão dentro das regras de civilização e de urbanidade que devem acompanhar a natureza desses mesmos apartes. Fazemos um apelo para que as outras bancadas, não só a bancada do Chega, mas também outras bancadas à Esquerda, cumpram os requisitos mínimos e dignifiquem as instituições, designadamente o Parlamento", salientou.
E complementou: "Não estou a desculpar os apartes do Chega. Há muitos apartes que são feitos pela extrema-esquerda e que são feitos pelas bancadas do PS, que têm passado um pouco debaixo do tapete. As bancadas da Esquerda não estão imunes aos ataques e às críticas que têm sido feitas."
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