Depois de mais de 12 anos de protestos das populações envolvidas, 135 uniões ou freguesias vão ser desagregadas, com base num projeto de lei conjunto de PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, a partir dos 124 processos validados por um grupo de trabalho no parlamento, a que se juntaram ainda outros 11 que entretanto sanaram os motivos que terão levado à sua rejeição inicial.
De fora do processo ficaram mais de 30 freguesias por não terem validado os pedidos de desagregação dentro da data limite definida e outras duas dezenas por não cumprirem os critérios populacionais mínimos ou por não terem entregado documentação que comprovasse o cumprimento de outros critérios exigidos, como a demonstração de viabilidade económico-financeira da autarquia.
Os processos de desagregação das freguesias rejeitadas por incumprimento do prazo previsto no mecanismo simplificado criado para separar estas autarquias serão analisados no parlamento por outro grupo de trabalho, mas ao abrigo do regime geral da lei de criação, modificação e extinção de freguesias.
Até à reposição oficial das autarquias cuja reposição foi hoje aprovada, nas próximas autárquicas, em setembro ou outubro deste ano, existem passos a cumprir, com calendários apertados, que passam também pela promulgação da lei pelo Presidente da República e a sua publicação até seis meses das eleições.
Os principais acontecimentos que explicam a importância que este projeto-lei tem para as freguesias e as principais datas e tarefas que se seguem são:
Reforma Administrativa de 2013
Após muita contestação das populações, em janeiro de 2013 era publicada uma lei de reorganização administrativa do território, conhecida como "Lei Relvas" por ter sido o então ministro Miguel Relvas um dos seus protagonistas.
A lei reduziu 1.168 freguesias no continente, de 4.260 para as atuais 3.092, através da alteração dos seus limites territoriais, da sua extinção ou da sua agregação em uniões de freguesias, constituídas por duas ou mais freguesias agregadas.
A reforma, alegadamente para reduzir custos, estava prevista no acordo para reformas estruturais que Portugal, que estava então sob assistência financeira, assinou com a 'troika' (Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional).
Numa primeira fase foi pedido às populações e autoridades locais para aderirem voluntariamente ao processo e decidirem qual a melhor forma de reduzir autarquias nos respetivos territórios.
Contudo, com a contestação geral ao processo e a recusa dos poderes locais, a reforma acabou por ser imposta pelo Governo e aprovada na Assembleia da República pela coligação PSD/CDS-PP (no poder) com os votos contra dos restantes partidos.
A concretização da reforma não parou as dezenas de protestos locais, criação de associações e plataformas de protesto e pedidos e moções de diversas autarquias, partidos políticos e também da Associação Nacional de Freguesias (Anafre) a exigir a reposição das autarquias agregadas.
Promessa socialista
Em 2015, na sua proposta para um Programa de Governo, o Partido Socialista assumiu uma avaliação dos "erros da extinção de freguesias a regra e esquadro", por via da análise da "reorganização territorial das freguesias", permitindo aferir "os resultados da fusão/agregação e corrigir os casos mal resolvidos".
Com os socialistas no Governo, o então ministro Adjunto, Eduardo Cabrita, aprovou no ano seguinte a constituição de um grupo de trabalho para estabelecer os "critérios gerais de avaliação da reorganização territorial" das freguesias, "visando corrigir erros" da anterior reforma, mas nunca antes das autárquicas de 2017.
Projetos do Governo em conjunto com a Associação Nacional de Municípios Portugueses (ANMP) e com a Anafre para uma lei com os critérios para a criação, extinção e modificação de freguesias, permitindo àquelas que foram agregadas ou extintas reverter o processo, andaram em aperfeiçoamentos durante mais de dois anos, com a associação das freguesias a acusar o executivo de não pretender mesmo reverter a reforma.
A então ministra Alexandra Leitão, que passou a tutelar as autarquias, em novembro de 2020 não se comprometia, no parlamento, com a apresentação de uma proposta de lei que permitisse a reposição de freguesias a tempo das autárquicas de 2021.
A proposta de Regime Geral de Criação, Modificação e Extinção de Freguesias foi aprovada pelo Governo apenas em 22 de dezembro de 2020, passou na Assembleia da República e entrou em vigor em 21 de dezembro do ano seguinte, já depois das autárquicas de 26 de setembro, frustrando as expectativas dos autarcas.
A Lei
A nova lei-quadro estabeleceu critérios para a criação de freguesias relacionados com a população e o território, a prestação de serviços aos cidadãos, a eficácia e eficiência da gestão pública, a história e a identidade cultural e a vontade política da população manifestada pelos respetivos órgãos representativos.
No entanto, além deste regime geral, previu um regime especial, simplificado e transitório com os procedimentos para reverter a fusão de duas ou mais freguesias agregadas em 2013, que teriam de ter "início no prazo de um ano após a entrada em vigor" da nova lei, ou seja, até 21 de dezembro de 2022.
Apesar de ser considerado um regime simplificado, o processo tinha de seguir vários procedimentos obrigatórios e atender diversos critérios: era iniciado na Assembleia de Freguesia, tinha de ser aprovado pela Assembleia Municipal e pelo respetivo município e passar ainda pela aprovação da Assembleia da República.
A desagregação tinha de respeitar as condições em que as freguesias agregadas estavam anteriormente, "não podendo, em caso algum, dar origem a novas ou diferentes uniões de freguesias".
Por outro lado, as freguesias a desagregar tinham também de cumprir critérios mínimos de prestação de serviços à população (entre os quais é obrigatório terem pelo menos um funcionário com vínculo de emprego público e um edifício-sede), de eficácia e eficiência, com demonstração da sua viabilidade económico-financeira, e respeitar critérios populacionais, como ter mais de 750 eleitores, exceto nos territórios do interior, onde é admitido um mínimo de 250 eleitores.
Só então seria entregue para análise da Assembleia da República, que poderia ainda solicitar documentação em falta, retificações e o cumprimento de procedimentos, antes da votação.
Foi considerado pelas autarquias que o prazo de um ano para todos estes passos era muito curto e de difícil concretização.
As dúvidas e as conclusões
A Assembleia da República (AR) criou um grupo de trabalho para analisar os 187 processos que recebeu de uniões de freguesias a pedir a desagregação que viu o seu trabalho interrompido pela queda do parlamento em 2024. Um novo grupo de trabalho que resultou da configuração parlamentar das eleições de 10 de março de 2024 prosseguiu o trabalho do anterior e enfrentou dúvidas de interpretação da lei, nomeadamente sobre qual seria o procedimento que deveria estar cumprido até 21 de dezembro de 2022 e qual o momento em que deveria ser aferido o número de eleitores da freguesia candidata à desagregação.
Depois de um parecer pedido aos serviços da AR, foi decidido que seriam rejeitados os processos de desagregação cuja Assembleia Municipal aprovou a desagregação após 21 de dezembro de 2022. Foram, assim, rejeitadas 32 propostas de desagregação, que serão avaliadas num novo grupo parlamentar sobre as freguesias, mas ao abrigo do regime geral da lei e não já do regime simplificado.
Outros processos foram rejeitados por motivos como a falta de cumprimento do critério mínimo de população, falta de documentos ou o facto de não pedirem a desagregação nos termos exatos em que estavam em 2013.
O grupo validou 124 processos de desagregação, mas os proponentes do projeto de lei conjunto do PSD, PS, BE, PCP, Livre e PAN, hoje aprovado, incluíram mais 11, justificando que apresentaram entretanto provas de que os motivos pelos quais tinham sido rejeitados foram sanados.
Comissões Instaladoras
O projeto de lei prevê que a reposição das freguesias agregadas em 2013 acontece "no momento da instalação dos seus novos órgãos, eleitos nas eleições autárquicas de 2025".
Para que isso aconteça, estão previstos procedimentos com prazos muito apertados.
Segundo o diploma, cada uma das freguesias a repor terá uma Comissão Instaladora que organizará as eleições de 2025, que se responsabilizará, por exemplo, pela atualização dos cadernos eleitorais das novas autarquias, e também escolherá a localização das sedes das juntas a repor. Todas as Comissões Instaladoras do país tomarão posse em 01 de julho.
À exceção destas atribuições, os atuais executivos das uniões de freguesias que vão ser desagregadas vão manter todas as outras "competências legais" até à tomada de posse dos órgãos eleitos nas autárquicas deste ano, quando as freguesias repostas devem já constar nos boletins de voto.
Comissões Executivas
O diploma prevê a criação de Comissões Executivas, que terão a função de "promover as ações necessárias à extinção" de cada união de freguesia, fazendo o inventário do seu património para o distribuir pelas autarquias repostas.
Cada comissão tomará posse 30 dias após a entrada em vigor da lei e funcionará "até à conclusão da última instalação dos órgãos eleitos nas eleições autárquicas de 2025", cabendo-lhe preparar todos os atos estritamente necessários à extinção da freguesia, "nomeadamente a aprovação da versão final da discriminação dos bens móveis e imóveis, universalidades, direitos e obrigações da freguesia de origem a transferir para as novas freguesias, bem como a identificação da alocação de recursos humanos a cada freguesia a repor".
Como critérios para a partilha do património e dos funcionários são indicada a repartição proporcional, em função do número de eleitores e da área das respetivas freguesias, a localização geográfica dos bens a repartir, o local de trabalho dos funcionários ou o local de prestação de serviços contratados, além de outros critérios que a comissão entenda considerar fundamentadamente.
Os prazos previstos estabelecem que a Comissão de Extinção deve ter um inventário atualizado do património da união de freguesia a desagregar até 31 de maio, para que, até 15 de junho, aprove os mapas finais, que deverão ser ratificados pela Assembleia de Freguesia até 30 de junho e publicados posteriormente em Diário da República.
Tanto as comissões instaladoras como as comissões executivas serão presididas pelo atual presidente do executivo da Junta e terão, em número ímpar, como membros um elemento por cada partido ou grupo de cidadãos independentes e entre quatro ou cinco cidadãos recenseados no território (no caso da Comissão Executiva deve ser assegurada a participação de pelo menos um cidadão eleitor recenseado em cada uma das freguesias a repor).
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